Solidão Real na Era Virtual

“O desejo intenso de encontrar uma personalidade se converteu em problema real, que preocupa hoje em dia muita gente “. (C. G. Jung – O desenvolvimento da personalidade).

Com o avanço tecnológico e uso acentuado das redes sociais para relacionamentos, importantes mudanças ocorreram gradativamente na forma de relacionamento entre os homens, sendo o convívio social substituído, aos poucos e quase que totalmente, pela falsa sensação de pertencimento pelo mundo virtual.

Somos seres bio-psico-sócio-espirituais e dependemos do convívio com o outro para existirmos enquanto seres humanos e formarmos nossa personalidade, a qual, segundo Jung (2013, § 290, p. 183) “se desenvolve no decorrer da vida, a partir de germes, cuja interpretação é difícil ou até impossível; somente pela nossa ação é que se torna manifesto quem somos de verdade”.

No mundo virtual isso pode representar um grande perigo, uma vez que diversas as pessoas se revestem de uma persona (máscara social) que nem sempre corresponde a sua realidade, compartilham suas vidas e personalidades da forma como querem ser vistas e não como de fato são. Na busca de aceitação e de ser visto como um modelo de sucesso, idealizam e projetam relacionamentos perfeitos com amigos, familiares, amores, mostram uma constante felicidade e realização em todos os setores da vida.

Há uma necessidade de se projetar socialmente, de ter amigos, de agradar aqueles que visitam seu perfil. E, juntamente ao objetivo de agradar, há o desejo de convencer o outro de seus propósitos. E, assim, seus seguidores não se relacionam com o seu ‘eu real, mas com sua versão virtual de si mesmo, a qual acredita ser positiva para sua reputação, aceitação e domínio, de modo a sentir pertencente aquele grupo. Cria-se uma persona muitas vezes irrealizável fora das redes sociais e, nesse momento, se instalam os conflitos e passa-se a viver a necessidade do mundo virtual muito mais do que do mundo real, pois nele a realização pessoal em todos os aspectos almejados é possível, vivendo-se, assim, numa realidade paralela. Jung (2013, § 745, p. 341) diz que “nosso conceito prático de realidade precisa de revisão, é tanto assim, que a literatura comum e diária começa a incluir os conceitos de ‘super e ‘supra em seu horizonte mental”.

Ao se relacionar com o outro, o homem tem a possibilidade de confrontar a si mesmo, validando-se ou buscando se reconstruir por meio de um espelhamento no outro, construindo, de tal modo, a sua história. Quando esse processo não pode ser vivido de forma real, pois o espelho não corresponde à realidade do que se vê, pode haver uma cisão do eu, acreditando que o que se vê é real e/ou muito melhor do que a realidade de fato, desejando-se viver nesse mundo perfeito, tornando-se prisioneira dessa persona criada. Dentre tantos outros motivos, essa pode ser uma possível razão do motivo pelo qual estar constantemente conectado às redes sociais, interagindo o tempo todo com os grupos, é tão viciante e instigante.

Precisamos ter relações reais, que atribuam significado às nossas vidas, que nos permitam espelhamentos honestos, fidedignos. Quando isso não ocorre, nos dissociamos afetiva e emocionalmente.

O outro além de validar quem somos, pode nos mostrar aspectos da nossa sombra, colocando-nos em contato com a possibilidade de confronto com esses conteúdos, contribuindo para nosso processo de individuação.

No mundo contemporâneo virtual as pessoas muitas vezes não conseguem se reconhecer como de fato são, provocando alterações na estrutura e nos valores sociais. Apresentam-se como vitrines de desejos e não realidades e, assim, estão cada vez mais solitárias e enclausuradas em seu mundo. É um mundo onde as pessoas são descartáveis, se não compartilham dos mesmos ideais, são facilmente excluídas, bloqueadas, eliminadas da amizade e outros amigos são buscados e adicionados o tempo todo. É importante ter amigos, mas apenas amigos que compartilhem das mesmas ideias, se pensarem diferente, deixam de ser amigos. Não se questiona o porquê o outro discorda e, consequentemente, não se permite interagir com a pluralidade de opiniões e diferenças. As pessoas estão prontas o tempo todo a discordarem do outro e reafirmarem suas opiniões. Há um ódio muito mais declarado uns aos outros e, por não ter que dizer nos olhos dos outros, mas virtualmente, tomadas pela sombra, dizem tudo o que pensam, invadem muitas vezes as páginas alheias com comentários desrespeitosos.

É um tempo de desapego, de vínculos frágeis, de culto ao corpo e não ao espiritual, em que os adolescentes “ficam”, os casais trocam de amores como de roupas, as pessoas são descartáveis e efêmeras. Tudo é muito provisório, as pessoas pensam que são livres e, na verdade, são inseguras e dependentes do outro para se legitimarem. A angustia, a depressão, a ansiedade e o pânico assolam as pessoas.

Na atualidade temos a necessidade de sermos cada vez mais observados, de termos cada vez mais “amigos” e curtidas em nossas postagens, mas a falsa sensação de pertencimento nos causa uma angústia psicológica que nos toma e nos coloca em um grande vazio existencial, de tal forma que nos tornamos cada vez mais solitários, pois buscamos a ilusão da aceitação, da segurança e do controle. E, se precisarmos de um amigo que nos ajude nessas crises, sentiremos ainda mais angustia, pois veremos que esses amigos, em sua maioria, existem apenas no mundo virtual, mas não realidade, pois não terão tempo ou mesmo vontade de nos ajudar, já que não estão interessados em nós como de fato somos, mas no modelo de vida perfeita que é vendida nas redes sociais. Também há muita desgraça sendo postada nessas redes para discordamos e repostarmos com nosso repúdio, mostrando que nossa desaprovação e quão bondosos somos.

Para Jung (2013, § 148, p. 84) o problema psíquico do homem moderno é “uma dessas questões indefinidas por sua própria modernidade… é, na melhor das hipóteses, uma interrogação que talvez se apresentasse de forma bem diferente se tivéssemos uma ligeira ideia da resposta que o futuro nos trará”.

Precisamos resgatar o vínculo com o próximo, se não quisermos ficar alienados de nós mesmos. Necessitamos da presença física do outro, do olho no olho, do toque, do confronto, das verdades, do outro, de nós mesmos. Necessitamos contato com o humano para vermos nosso reflexo no outro e sermos humanos.

Segundo Jung (2013, § 149, p. 85) “são poucos os modernos, ou melhor, os homens que vivem no presente imediato, pois sua existência exige a mais alta consciência, uma consciência extremamente intensiva e extensiva, com um mínimo de inconsciência, pois só aquele que tem consciência plena de sua existência como ser humano está de todo presente”.

Andreia Araujo – Analista Junguiana em Formação, Especialista em Psicologia Junguiana e Psicossomática e Especializanda em Arteterapia pelo IJEP – Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa. Contatos: 11 99730-8737 / deh.faraujo@gmail.com – Vila Mariana / SP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JUNG, Carl Gustav. Civilização em Transição. 6. ed. Vozes, Petrópolis, 2013.

_______________. O Desenvolvimento da Personalidade. 14. ed. Vozes, Petrópolis, 2013.

_______________. A Natureza da Psique. 10. ed. Vozes, Petrópolis, 2013.

_______________. Psicologia do Inconsciente. 24. ed. Vozes, Petrópolis, 2014.

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