A Jornada do Herói e  o Tarot – Processo de Individuação

Por Ermelinda Ganem Fernandes

A nossa viagem começa com um jovem inocente, tendo uma trouxa nas costas e um cajado na mão. É chamado no tarot de “O louco” ou o “Bôbo”. Tomando emprestado as palavras de Raul Seixas, será ele um maluco total, que vive na loucura real, controlando a sua maluquez, misturada com a sua lucidez? Olhando para ele podemos nos perguntar “será que cada um de nós se esforça para ser um sujeito normal, fazendo tudo igual?”

Será que ele arrebentou o despertador e atirou pela janela tudo o que possuia? Resolveu tirar um período sabático para estudar? Ou foi pelo mundo afora, realizando a viagem dos seus sonhos? Talvez seja um facilitador que nos instigue a fazer perguntas.

Se acolhemos esse jovem despreocupado dentro de nós, poderemos iniciar a jornada do tarô levando na mochila apenas a nossa intuição. Ou quem sabe alguma sabedoria, como a de Edgar Morin que nos diz que não há caminho, o caminho se faz ao caminhar. O louco é o herói, buscador, fora da lei, que subvertendo a ordem compensa a unilateralidade espiritual do arquétipo do herói. Na mitologia iourubá corresponde à Exu, aquele que abre caminhos, mas que quando não honrado pode trancar ruas. Sim, porque precisamos estar dispostos a abrir mão das nossas zonas de conforto para podermos embarcar nessa aventura fascinante, arriscada, sofrida e recompensadora, chamada por Jung de processo de individuação.

Individuação significa tornar-se um “indivíduo, aquele que não se divide”. A individuação é a realização do vir-a-ser do homem, cujo objetivo final é a integração de consciência e inconsciente. Nesse caminho, a posição do ego fica relativizada pela sua conciliação com o inconsciente.

O processo de individuação, na mitologia, corresponde à jornada do herói. Todos nós somos heróis e as nossas jornadas apresentam alguns elementos comuns: estamos no nosso mundo comum, aparentemente tranquilo, cuja paz, porém, está ameaçada. Recebemos um chamado à aventura. Se recusamos o chamado, ativamos o anti-herói e nada acontece. Se aceitamos o chamado, aparece um mentor que nos ajuda. Fazemos uma travessia e entramos no desconhecido (é o que chamamos de entrada na floresta).

Na floresta acontece a prova suprema – a luta com o dragão, nosso maior inimigo, aquele que ameaçava a paz em nossa terra natal. Como recompensa, recebemos o prêmio, um tesouro, a pedra filosofal. Mas temos que levá-lo à cidade. É o retorno, a volta ao mundo conhecido trazendo prosperidade e segurança para o mundo.

Utilizando o tarô como metáfora da individuação, vemos que o louco é o inocente andarilho e representa o nosso ego, ainda sendo iniciado nos mistérios da expansão da consciência. Quando ele em nós aceita o chamado encontramos o mentor, um “Mago”, Hermes, psicopompo que vai nos ajudar a entrar na floresta do inconsciente. Um dos seus braços aponta para cima e o outro para baixo, indicando que somos manifestação da divindade, mas nem por isso privilégio algum da natureza. Talento é 1 % de inspiração e 99% de transpiração, como dizia Thomas Edison. Precisamos trabalhar com o que temos nas mãos, intuindo acerca do universo à nossa volta, buscando tornar a vida uma obra de arte (não perfeita mas completa).

Para realizar a Opus, teremos que subir e descer na árvore da vida (árvore que existia no Eden, cujos frutos garantiriam a vida eterna. Jung utiliza a metáfora da árvore da vida para falar da atualização de um projeto de vida que temos, projetos-semente que carregamos na alma e que já se encontram completos em estado de potência dentro de nós, essência das nossas vidas, que nos chamam para um destino.).

Os arcanos de 1 a 15 representam a descida na árvore (a nigredo da alquimia, psicologicamente representando o trabalho com a sombra, onde entramos na nossa lama interior, com dor e sofrimento), enquanto que os arcanos de 16 a 21 representam a subida na árvore (a albedo e rubedo da alquimia, onde ocorre a transformação da consciência através da reflexão, compreensão e incorporação do conhecimento na vida). Podemos dizer que miticamente a descida corresponde à crucificação de Cristo, enquanto que na subida há a sua ressurreição, Cristo representando o homem divino que existe em todos nós.

Jung diz que nenhuma árvore pode crescer para o céu a não ser que suas raízes cheguem até o inferno.

Descendo na árvore, mergulhando na floresta do inconsciente, encontramos inicialmente com os nossos pais e mães arquetípicos, primeiro as damas (a sacerdotisa e a imperatriz) e depois as figuras masculinas (o imperador e o papa).

A sacerdotisa, faceta yin do feminino arquetípico, é a contraparte feminina do mago, a feiticeira, velha sábia (Nanã Buruku, na mitologia Iorubá ou Hécate, na mitologia grega), conservadora, estável e imutável, testemunha da nossa verdade mais profunda. Foi ela a única testemunha do rapto de Perséfone. Está associada à intuição e é parteira da expressão da nossa vida criativa. Como não está vinculada ao patriarcado (e aos padrões coletivos de homens e mulheres), é considerada a sua própria senhora, virgem, una-em-si-mesma.

Já a imperatriz corresponde à faceta yang do feminino arquetípico, aspecto transformacional, ativo, dinâmico, sempre presente nos movimentos de fertilidade psíquica. Está associada à gestação (de homens e mulheres). Apresenta-se como uma mulher sensual, voluptuosa e às vezes grávida. Em lugar do hábito de monja, veste uma túnica e uma camisa ornamentadas com graciosos bordados e faixas. Usa uma coroa de ouro aberta, semelhante a um halo, de centro carmesim, cor de sangue, pois é essencialmente a Imperatriz quem enche a coroa oca com o sangue materno da realidade terrena e do amor quente. É representada pelas gregas Afrodite e Deméter ou pela Iorubana Oxum. Ama a beleza em todas as formas.

O imperador rege o Logos, anunciando um novo começo, o princípio simbolizado pelo verbo. Está interessado sobretudo pelo bem-estar físico e social dos súditos. Já o sacerdote é um mediador e guia. É o pontifície, líder espiritual, que faz a ponte entre os mundos de cima e o de baixo (consciente e inconsciente).

A primeira ansiedade surge para o nosso inocente interno. É quando aparece uma encruzilhada, com opostos no caminho, e ele não sabe o que fazer. Ser ou não ser? direita ou esquerda? razão ou coração?. Que caminho seguir? Ele adquire a forma do “Enamorado” e aprendemos com ele que precisamos dar o nosso próximo passo, para que não fiquemos estagnados no caminho. Com certeza teremos angústia e dificuldade em decidir, da mesma forma que Páris ficou dividido em decidir qual das três deusas ficaria com a macã de ouro (Hera, Atená ou Afrodite). Ele escolheu Afrodite, com o seu reino da beleza e viveu um intenso amor correspondido com Helena (e de quebra ganhou de presente a guerra de Tróia!). Dar o próximo passo….a cegueira de entregar-se ao amor. Muitas emoções não?

Já mobilizado (e acelerado, ou não) pelo processo de mudança surge para o nosso herói (que não esqueçam, nos representam) o “Carro”, uma segunda forma de lidar com os opostos. Com o carro precisamos aprender a sustentar a tensão entre os opostos. É ele que nos diz como estamos conduzindo a nossa energia psíquica (se a mesma está estagnada, se estamos indo rápido demais à caminho da inflação ou se estamos delegando as nossas tarefas para alguém e estamos andando de carona). Não podemos abandonar o nosso transporte. O carro fala sobre o tema arquetípico do controle. Quem tem as rédeas de sua vida? É capaz de confiar ou tenta controlar tudo sozinho? Podemos mudar a direção da nossa trajetória, desde que aceitemos a luz e as sombras e transformemos os nossos medos em confiança e desenvolvimento da personalidade. As pedras no caminho? Quem não as tem?

Outro arquétipo que surge no nosso caminho é a “justiça”, a terceira forma de lidar com os opostos. Esse arcano aparece personificado na imagem de uma figura feminina tendo em uma das mãos uma balança, e na outra uma espada. A espada representa o áureo poder de discriminação que nos faculta atravessar camadas de confusão e imagens falsas para revelar uma verdade central (discriminamos mais com o sentimento ou o pensamento ? eles estão equilibrados?). Nesse sentido, lembramo-nos do Rei Salomão quando se viu diante de duas mulheres, cada uma das quais jurava ser a mãe da mesma criança. Ele sugeriu que se cortasse a criança ao meio, obrigando assim a verdadeira mãe a revelar-se instantaneamente pela sua reação emocional. Sem utilizar a espada, a introvisão aguda de Salomão chegou ao âmago da material.

Por fim, chegamos agora a um ambiente mais escuro, denso e profundo da floresta do inconsciente. Como diz o poeta Arnaldo Antunes, “Alta noite já se ia, ninguém na estrada andava. No caminho que ninguém caminha, alta noite já se ia, ninguém com os pés na água. Nenhuma pessoa sozinha ia. Nenhuma pessoa vinha. Nem a manhãzinha, nem a madrugada. Nem a estrela-guia, nem a estrela d’alva…”. E eis que surge um segundo mentor (ou o mesmo, o mago, mais amadurecido): o Eremita, com a sua lanterna do conhecimento.

O Eremita leva a luz do conhecimento para aqueles que o seguem, mas não se afasta do seu caminho para atrair atenção (ou seja precisamos estar dispostos a segui-lo). É uma faceta da nossa psique, introvertida, que sabe andar no escuro. Ele nos ensina que cada um de nós traz algo único e novo ao mundo. A luz torna-se mais forte à medida que resolvemos as nossas contradições internas e externas. Imagine que você vai passar um dia inteiro inteiramente só. O que você pensa em fazer?

Com a ajuda do velho sábio vamos continuar a nossa trajetória encontrando o X arcano: A roda da fortuna. A roda é um arcano importante porque indica a reconciliação dos opostos, onde o acima encontra-se com o abaixo, o mundo ctônico com o celestial, o divino com o demoníaco. Ela nos ensina que a totalidade inclue o claro e o escuro e aceitar o nosso destino é um dos grandes aprendizados da vida, com os seus picos e vales. “Tudo o que começa acaba e tudo que acaba começa”.

A roda reflete os paradoxos da natureza humana. Os seus raios nos recordam as limitações impostam por nossa natureza animal. Ao mesmo tempo, porém, apresentam o desafio de transcender as limitações – suplicando por assim dizer, a nossa ajuda. É o recipiente que segura a natureza dentro de certos limites prescritos e, inversamente, a própria fonte de energia com a qual podemos conscientemente transcendê-los.

O eterno retorno…estou pronto para acolher a surpresa, para abrir a porta para o desconhecido? Minha evolução se interrompeu? Como posso vencer este bloqueio? Qual é minha herança familiar?

Outro arcano surge na região escura da floresta: a Força (arcano XI). Vemos uma figura feminina tentando domesticar um leão através da mãos, porém a mulher interage com o animal de forma tão harmônica que percebemos aqui que estamos diante de uma força espiritual. O significado psicológico desse arquétipo é a busca pela integração dos nossos instintos com humildade, graça e elegância, através da não violência e cooperação. Para Campbell a maturidade implica em colocar a força espiritual acima do orgulho e da força física. Essa é a lição desse arcano.

A pergunta que a força nos faz é: Aceito minha natureza animal? Como posso ganhar mais vitalidade?

Continuamos descendo e surge à nossa frente um homem Enforcado (arcano XII), imagem arquetípica inspirada na desgraça social que acompanhava os indivíduos que eram enforcados assim publicamente na Itália e Sul da França no século XV.

Esse arquétipo fala da traição coletiva (e do sacrifício do ego) necessários para que a individuação ocorra. Ao ficar de cabeça para baixo, o pendurado perde seu ouro, que representa a perda das posses mundanas ou da autoestima (alquimicamente significa

semear ouro na terra branca foliada).

Há uma imobilidade do herói ( os braços e as pernas estão presos), comparada à fase da lagarta, necessária para que a mesma vire borboleta. É uma fase de incubação (gestação) para que nasca um novo ser. O novo nascimento é a salvação. União do mundo de cima com o mundo de baixo. Ocorre uma quebra da consciência (passamos a ver o mundo sob um outro ponto de vista). O simbolismo do 12 acompanha este arcano (à meia-noite, inicia-se um novo dia no lugar daquele que se foi. É quando um ciclo se completa depois da morte do ontem). O sacrifício necessário para recuperar a fertilidade da vida. Devo aceitar voluntariamente um grande sacrifício? Em que área da minha vida?

O tema do sacrifício acompanha a nossa jornada. A próxima imagem que nos deparamos é um esqueleto, com a sua foice. No solo, pessoas esquartejadas, junto à vegetações. É o arcano XIII (a morte). Essa carta representa uma transformação profunda, uma verdadeira revolução na consciência, onde a antiga forma morre para o renascimento de uma nova ordem. É a fase alquímica da mortificatio e do desmembramento, onde nos vemos em pedaços, espalhados, com as cabeças cortadas (decapitação). Eliminamos o inútil das nossas vidas, o que gera angústia, pelo vazio existencial e ansiedade de separação, porque não queremos perder nada “que nos pertence”.

O arcano da morte pode ser um convite para abrirmos mão e darmos espaço para a rosa e a beleza florescer. Há a morte de velhas atitudes e o renascimento da vastidão e da liberdade para alçar novos vôos. Sobre qual antigo modo de vida estou prestes a derramar lágrimas?

Aprendendo a morrer, ficamos mais livres para renascer e, quem sabe, pode aparecer um anjo em nossas vidas: a Temperança (arcano XIV), primeira figura do tarot com asas, que Campell associa ao controle dos apetites e da inflação pela humildade (caminho do meio). Nesse arquétipo, os opostos estão fluindo em harmonia, indicando circulação e cura.

Está relacionada com a criatividade humana elementar. No tarot de Salvador Dali, a temperança é representada por uma figura feminina angelical com asas e cabelos despenteados e descoloridos. Esta criança aparentemente enjeitada nas cartas de tarot de Dali é uma provocação: a carta insta-nos a sermos ativos e traçarmos o nosso projeto de vida, enquanto artistas (quem deve pintar o cabelo da figura somos nós,  e não o artista, porque só assim a obra estará completa. A obra de arte-arcano deve ser uma musa, que nos inspire a criar).

Esse anjo nos pergunta: Está faltando equilíbrio, harmonia, em minha vida? Qual o significado da palavra cura para mim?

A temperança nos dá fôlego para que completemos a descida com o ultimo arcano da nigredo, o Diabo, que representa os aspectos mais críticos de nossa personalidade, produtos que são de partes pouco exploradas ou desconhecidas de nós mesmos. Jung continua dizendo que a pintura clássica do Diabo como meio homem e meio fera “descreve exatamente o lado grotesco e sinistro do inconsciente, pois, na verdade, nunca nos atracamos realmente com ele, que, portanto, permaneceu em seu estado selvagem original”.

Há uma subserviência da consciência ao caos, ao abismo da nigredo. É a prima matéria, a massa confusa, a nigredo. Substância que será transformada. Adao, Anthropos, o homem universal, como Mercúrio, é bom e demoníaco. O diabo nos leva ao questionamento: Do que tenho medo no momento? Em que aspecto de minha vida tenho a impressão de ser uma escravo?

Tendo chegado ao ponto máximo da descida com o Diabo, a partir de agora os arcanos vão indicar um movimento ascendente na árvore da vida e esse movimento começa com a Torre (arcano XVI). O tema arquetípico desse arcano é a liberação (marca o início da ascensão).

A Torre é o arquétipo da destruição, das mudanças avassaladoras em nossas vidas. Por vezes, somente algo assim tem força capaz de nos arrastar para longe do Diabo que antes nos prendia. A Torre fulminada mostra o ego abalado pelo grito de um inconsciente incontido, simbolizado pela labareda de fogo que explode a cúpula da Torre, cuja forma lembra uma coroa, real adorno de uma consciência que se esquece muitas vezes de perceber a realidade por detrás da realeza. Entre mortos e feridos quem será salvo?

A torre pode simbolizar qualquer construção mental, política, filosófica, teológica ou psicológica, que nós, seres humanos, construímos, tijolo por tijolo, com palavras e idéias. As torres nos protegem e também nos enclausuram. O rei e a rainha caindo da torre pegando fogo significa a calcinação alquímica da prima-matéria. Secar libera a alma das subjetividades pessoais (saímos da nigredo para a albedo). “Há mais cor no deserto alquímico do que na inundação e quando as cores vibram na cauda do pavão (cauda pavonis), brilham também os olhos através dos quais elas são percebidas.” Ocorre o nascimento da visão múltipla, enxergando cada coisa como ela é, além da subjetividade, e assim fazendo a ponte para a sanguínea tintura da rubedo do mundo lá fora. (HILLMAN, 2011). 

A pergunta que pode emergir desse arcano é: como posso me adaptar melhor às circunstâncias difíceis que vivo no momento?

A cauda pavonis e a albedo consteladas na Torre estão também associadas à Estrela (arcano XVII), quando vemos 7 estrelas no céu. O simbolismo do 7 já é bem conhecido na poesia: “Sete mil vezes eu tornaria a viver assim/ Sempre contigo transando sob as estrelas/ Sempre cantando a música doce/ Que o amor pedir pra eu cantar/  Noite feliz, todas as coisas são belas”(Caetano Veloso) ou nas palavras da Luiza de Tom Jobim: “ E um raio de sol/  Nos teus cabelos/ Como um brilhante que partindo a luz/ Explode em sete cores/ Revelando então os sete mil amores/ Que eu guardei somente pra te dar Luiza.

Joseph Campbell, famoso mitólogo,  ao falar sobre esse arcano nos diz que ela representa o paraíso que vem depois do purgatório. O pássaro da alma, pronto para voar, está no topo de uma pequena árvore. De 2 vasos vermelhos, as águas da vida são derramadas para o mundo abaixo. A mulher nua significa inocência – é a primeira figura nua na série do Tarot. Assim estava o homem antes da queda. E assim a alma retorna, através do purgatório, ao seu estado intocado, nu frente a Deus.

A estrela, símbolo da esperança, representa a nossa verdade pessoal, fonte de nossos sonhos, que aparece muitas vezes sob a forma de uma estrela remota e, muitas vezes, é necessário percorrer um longo caminho para a alcancar. Esta fonte nunca seca. Basta encontrá-la, empunhá-la e mantê-la lá no alto. Carregamos a vasilha que nós próprios somos, enquanto pessoas e enquanto um todo, uma vasilha nas mãos de Deus, uma vasilha que simboliza a nossa quota individual na grande corrente da vida. Corresponde ao tesouro, à pedra filosofal.

Totalmente nua, a minha alma devolve as águas à natureza Em qual aspecto da vida sinto-me renascer? Escreva algumas linhas sobre quais eram suas esperanças quando tinha 15 anos, 25 anos, 35 anos e sua idade atual (se tiver passado de 35). Realizou alguns de seus sonhos?

A estrela inicia o processo de solutio alquímica (que termina com a lua), onde dissolvemos, desmembramos os aspectos fixos e rígidos da nossa personalidade nas águas do inconsciente e através do sentimento (eros) vamos ressignificando as experiências.

O simbolismo do próximo arcano, a Lua (XVIII),éo reino da Deusa, da intuição, da receptividade do feminino arquetípico. Isis, Ártemis, a representam. Alquimicamente falando, continua a solutio que começou com a Estrela. A lua representa as águas primordiais, as trevas do inconsciente coletivo, os porões da alma (o Hades). As trevas psicológicas apresentam sérios desafios à nossa frágil consciência, que precisará pedir ajuda à intuição para vencer a provação noturna. Corresponde à noite escura da alma, o rapto de Perséfone.Estamos cegos e somos conduzidos pelos cães (companheiros de Ártemis) na noite escura da alma.

A lua governa amantes e várias esferas da vida. Nos fala sobre os ciclos do tempo. Está associada à fertilidade, pois é no inconsciente que ocorre o casamento sagrado (conniuncio) e o nascimento da criança divina. Esta é a hora da verdade do herói, tempo de terror e reverência. A experiência da travessia no mar é familiar a quantos fizeram a jornada rumo à autocompreensão. O herói precisa vencer o monstro que pode devorar-lhe a consciência e mantê-lo cativo. Grande parte da teoria junguiana foi criada quando Jung mergulhou nas águas do inconsciente coletivo e não se afogou ( a experiência do seu mergulho está descrita no livro vermelho).

Hoje em dia, com a psicoterapia, podemos mergulhar no inconsciente com um instrutor (o analista junguiano), que pode nos ajudar a enfrentar o reino da lua.

Jung nos fala sobre essa experiência:

No fundo, o medo e a resistência que todo ser humano experimenta em relação a um mergulho demasiado profundo em si mesmo é o pavor da descida ao Hades. Se fosse resistência apenas, o caso não seria tão grave. Na realidade, porém, emana desse substrato anímico, desse espaço obscuro e desconhecido, uma atração fascinante, a qual ameaça tornar-se tanto mais avassaladora quanto mais nele se penetrar. O perigo psicológico desse momento corresponde a uma desintegração da personalidade em suas componentes funcionais: as funções isoladas da consciência, os complexos, os fatores hereditários etc. A desintegração –uma esquizofrenia funcional ou mesmo real

Estás confuso, angustiado, atormentado? Do que tens medo? Conte em detalhes um sonho que teve. Escolha um personagem misterioso e inverta os papéis (faça de conta que você é esse personagem). Reconte o sonho e reescreva o final.

Se atravessamos a solutio noturna da lua, chegamos à claridade do sol (arcano XIX). Esse arcano está associado à criança divina, que nasceu do casamento sagrado do sol e da lua (ocorrido no arcano 18). Ela é chamada de filius philosophorum, a pedra filosofal.

Saindo da escura complexidade da paisagem lunar inumana, impessoal, para o mundo simples da infância ensolarada, a vida agora passa a ser uma experiência para ser desfrutada. Um mundo de folguedos inocentes, onde recapturamos a espontaneidade perdida dos nossos eus naturais. Aqui redescobrimos a harmonia interior que sentíamos quando crianças, antes que os opostos nos partissem tão cruelmente em pedaços, separando-nos de nós mesmos e um do outro.

O sol representa a inocência do paraíso. As crianças simbolizam algo recém-nascido, vital, experimental, primitivo e integral. Não chegamos ao jardim secreto do deleite solar, conduzidos pelo intelectualismo estéril, senão através do jogo imaginativo. Quando esse novo sol nasce dentro de nós, faz que todo o espectro da realidade externa brilhe para nós com maior clareza do que nunca. Em A Lua, o herói do Tarot começa a ligar-se ao seu “filho” interior; aqui o faz mais conscientemente.

A pergunta desse arcano é: qual a maior alegria que você já experimentou na vida?  Conecte-se com a emoção associada à essa experiência.

Agora, como heróis, precisamos levar o tesouro (a pedra filosofal) de volta à cidade. É a fase do retorno, que começa com a constelação da criança divina (O Sol).

Alquimicamente corresponde à rubedo, onde o alquimista colhe o que plantou. A Opus agora não é mais desempenhada pelo alquimista, mas sim pela Pedra. O seu poder se multiplica como um grão. Em teoria, o poder da Pedra pode se multiplicar ao infinito. O rei está indo em direção à cidade na terra, ou seja, estamos concretizando, trazendo para o ego as manifestações do Self.

Tenta-nos para fora, para o mundo dos sentidos. É o sangue redentor e missionário de Cristo, que tem uma urgência e o impele a se espalhar através da conversão dos pagãos (aqueles que precisam da psicologia).

Com o surgimento da criança divina, tendo experimentado o centro transpessoal da psique, o ego reconhece sua posição subordinada e está preparado para servir à totalidade e aos seus fins, em lugar de fazer exigências pessoais. O ego individuado  é aquele que está dialogando de forma consciente com o Si-mesmo.

A partir desse diálogo surge o questionamento: Qual é a minha missão de vida? O que preciso fazer para vivê-la? Essas são as perguntas relacionadas ao arcano XX (Julgamento), onde vemos um anjo, com raios compridos e pontudos que saem da sua auréola, que quase parecem furar o chão, e pela sua enorme trombeta, cujo som promete estilhaçar os tímpanos dos que estão embaixo.

Há um chamado desse anjo (Gabriel) para que o mundo acorde e ascenda. Há a ressurreição dos mortos para uma nova vida. No Julgamento, a figura central percebe conscientemente e ouve o chamado, associado ao ofício sagrado, servir ao Si-mesmo.

No mundo (arcano XXI) vemos um ser andrógino, dançante, com dois bastões nas mãos, simbolizando a integração dos opostos. É a alma do mundo, a arte da criação, Sofia, a divina beleza, a dança gentil da vida, arte de nos movermos no cotidiano de maneira natural e integrada e, no entanto, espontânea.

A realidade material é revelada como contendo dentro dela o infinito, o universo, o todo. Isso acontece quando a integração, individuação ou totalidade é obtida. A psique recebe a mensagem do centro (self) e os 2 mundos (consciente  e inconsciente) são integrados através de um casamento sagrado (fertilização mútua). Sincronicidades podem começar a acontecer.

Recomeça o ciclo. A dançarina pintada em O Mundo está-nos dizendo que, embora a nudez seja de fato natural, expor-se uma pessoa ao mundo não o é necessariamente. Momentos há em que o eu precisa ser protegido e contido. O eu é o centro do equilíbrio psíquico. Quando perdemos contato com a dançarina dentro de nós, perdemos o equilíbrio. Sempre que perdemos contato com a natureza — nossa natureza interior – experimentamos, no fundo de nós mesmos, um sentimento de inferioridade. A dançarina retratada em O Mundo é muito diferente de todos estes. Aparece nua, absorta em nenhum ato ou propósito específico senão o de ser — ser ela mesma. A dançarina se move livremente com um pé sempre tocando a terra. Apesar de estar em constante movimento, permanece ligada à base do seu ser — dourada e indestrutível.

Vivo a totalidade do meu ser totalmente nu. Que oportunidades se abrem para mim, atualmente? Estou livre para aceitá-las? Como faço para beneficiar outras pessoas com meus talentos?  

Exercício para conhecer os arcanos

Por sincronicidade pegue uma carta sem olhar. Receba o arcano, contemplando a imagem e examinando-a em todos os detalhes. O que você sente ao vê-la? Que associações você faz? Anote no papel.

Que pergunta você gostaria de fazer à este convidado? Anote.

Feche os olhos e sinta a imagem dentro de você. Faça uma conexão emocional com ela. Formule a pergunta escolhida e ouça a resposta. Trave um diálogo com a imagem.

Depois que abrir os olhos escreva o diálogo no papel.

Ermelinda Ganem Fernandes – Médica, analista junguiana, doutora em Engenharia e Gestão do Conhecimento, coordenadora da pós-graduação lato sensu em processo criativo e facilitação de grupos do Instituto Junguiano da Bahia /Escola Bahiana de Medicina