Sexo casual ou fricção genital?

Uma das espécies de chimpanzé, que mais se assemelha ao ser humano em termos de comportamento e fisiologia, é a dos bonobos. Além de possuir um índice de mais de 98% de igualdade com o código genético humano, uma das principais características que os aproximam de nós é a dissociação do sexo com a sua função reprodutora. O comportamento sexual dos bonobos, além de abundante, é de extrema importância para manter sua estrutura social. Fora o sexo em si, os bonobos possuem uma grande variedade de comportamentos relacionados que não caracterizam o coito, como por exemplo a fricção genital que pode acontecer num contexto fêmea-fêmea e fêmea-macho, a fricção anal e a esgrima peniana que acontecem entre machos.

A observação científica do comportamento sexual dos bonobos indica que essa espécie utiliza o sexo e suas variantes, principalmente por sua função conciliadora. Em muitos contextos diferentes, o sexo, ou um dos comportamentos relacionados, surge para apaziguar humores evitando conflitos, facilitando a divisão de comida entre os membros de um mesmo grupo, e até mesmo para diminuir a ansiedade e estresse de indivíduos que estejam passando por uma situação adversa.

Do ponto de vista da sobrevivência da espécie, os bonobos mantém esse comportamento porque ele foi importante na sua adaptação ao mundo, garantindo a sua reprodução e perpetuação até agora – hoje eles estão ameaçados de extinção. Apesar do comportamento altamente sofisticado dessa espécie, não podemos afirmar que exista em sua vasta gama comportamental qualquer coisa que se assemelhe, em termos de refinamento cognitivo e intelectual, à reflexão e à função simbólica humana. Foi exatamente o simbolismo, a capacidade de abstração e a possibilidade da crença em ideias, que nos levaram ao que somos hoje, em termos de organização social, cultural e tecnológica. Por isso, para o ser humano, o sexo não é apenas sexo, apesar de muita gente dizer e querer que o contrário fosse verdade. A grande diferença entre as duas espécies, apesar das muitas similaridades, é que, enquanto que para os bonobos os comportamentos sexuais têm funções biológicas e sociais diferentes da reprodução, para os humanos, além de tudo isso, o sexo é simbólico.

Não é difícil encontrar motivos para que, no meio científico, e até mesmo entre muitos grupos que não estejam diretamente ligados à essa área, a explicação das causas dos mais variados comportamentos humanos seja reduzida à pulsões sexuais. Somadas às vontades sexuais naturais que obviamente influenciam nossas ideias, estão as teorias psicanalíticas freudianas clássicas, que tiveram, sem dúvida nenhuma, um papel de extrema importância na luta contra a repressão sexual, e que invadiram, não só o meio científico, mas também círculos não acadêmicos. O problema, muitas vezes apontado por Jung em vários momentos em sua obra, é que não é possível reduzir a expressão da alma humana, explicando-a com uma teoria da libido puramente sexual.

Como acontece com qualquer comportamento humano, a prática sexual que é instintiva, e, por enquanto, ainda fundamental para a reprodução da nossa espécie, se torna símbolo. Com isso, comportamentos conectados à prática sexual também se tornam simbólicos e sempre dizem mais do que aparentam na superficialidade. O ser humano pratica sexo por prazer, e apesar dessas sensações de prazer estarem diretamente conectadas com a função reprodutiva do ato, isso obviamente não é suficiente para explicar os desvios comportamentais ligados à prática sexual: sadismo, masoquismo, pedofilia, fetichismos diversos, onanismo exagerado, disfunções eréteis, frigidez, vaginismo, e etc. Poderia citar um número muito grande de disfunções sexuais, porém, o mais importante aqui é entender que, individualmente ou socialmente, estamos falando de sintomas psicossomáticos. Jung diz sobre a sexualidade:

“A sexualidade não é apenas um instinto, mas ela é também, sem dúvida alguma, uma força criativa, que não é só a causa fundamental da nossa vida individual, mas também um fator a ser levado a sério em nossa vida psíquica. Hoje conhecemos sobejamente as consequências preocupantes acarretadas pelas perturbações da sexualidade. Poderíamos chamar a sexualidade de porta voz dos instintos, e é por isso que o ponto de vista espiritual nela vê seu principal adversário; não porque o desregramento sexual seja mais imoral do que a voracidade, a bebedeira, a cobiça, a tirania e o vício do esbanjamento, mas porque o espírito antevê na sexualidade uma contraparte de natureza igual e até análoga a ele.” (Jung, 2013, p. 107)

Nos livramos, principalmente com o advento da psicanálise, de amarras da repressão da sexualidade, da falsa moralidade, dos sentimentos falsos e exagerados, dos valores hipócritas da família tradicional e da religiosidade superficial e institucional. Mas, passamos por isso para nos tornar seres de uma cultura literal, induzindo-nos para a completa desconexão com a vida simbólica? Ao invés de aproveitarmos essa chance para encontrar o equilíbrio, simplesmente corremos para o outro extremo: o hedonismo. Vivemos uma busca desenfreada pelo prazer a qualquer custo, refletida no uso indiscriminado de drogas (lícitas ou não) com o consequente anestesiamento do ser, com a prática sexual completamente desconectada de sentimentos, parceria e companheirismo.

Podemos fazer um paralelo entre o comportamento relacional afetivo da pessoa humana contemporânea com outras esferas do viver. Tudo é rápido demais nos dias de hoje, não existe tempo para a reflexão. Na lenta conversa com si mesmo perguntas são feitas, dúvidas aparecem, e, de acordo com a sociedade e a cultura do consumo, do trabalho semiescravo e da vida digital e da informação superficial, o indivíduo nunca pode ter dúvidas. Elas ameaçam o controle, a ordem e a segurança – meras fantasias na verdade que só servem para manter as pessoas longes de si mesmas e de relações verdadeiras.

Essa tendência à inércia e à falta de reflexão e aprofundamento está em nossas relações sociais, familiares, laborais, e mostra também, claramente, seus sintomas na vida amorosa e sexual dos indivíduos. Como bonobos, “transamos” casualmente sem real conexão com o outro para nos esconder das relações verdadeiras e trabalhosas que exigem dedicação e compreensão e reconhecimento de si e do outro. Nos escondemos atrás do sexo casual para tentar diminuir nossa ansiedade, evitar a violência, e nos afastar da nossa sombra não integrada. É claro que, na falta de uma real integração dos nossos aspectos sombrios, talvez o sexo casual seja uma saída razoável para que não nos matemos uns aos outros por qualquer motivo pífio, brigas de trânsito ou por acreditar em deuses diferentes. Porém, a satisfação somente dessa nossa parte reptiliana não completa a falta de uma relação verdadeira e de vínculos, e nem a angústia humana de ser diverso, ambíguo e simbólico. Estamos agindo como bonobos, mas não somos chimpanzés. Para a pessoa humana, a falta da vida simbólica acarretará, inevitavelmente, em sintomas.

Até alguns anos atrás eram somente os homens que somavam números de “transas” para se gabar aos amigos. Muitas mulheres agora assumem esse comportamento machista com o discurso de que os direitos devem ser iguais. Frases como: “porque só homem pode trair?”; “quero sexo casual também”, “transo com um diferente por noite” são muito comuns para quem defende esse tipo de comportamento para as mulheres. E parece que fica cada vez mais difícil perceber que o comportamento errático masculino não deveria ser objetivo da mulher. O homem é que deveria olhar com mais carinho e seriedade para as suas relações, e não o contrário, com a mulher buscando se comportar cada vez mais daquela maneira.

A expressão sexual criativa e livre só pode acontecer se estivermos conectados com o outro e conosco. Do contrário, na minha opinião, só estaremos praticando fricção genital, o que pode ser prazeroso, mas não nos leva de maneira alguma à resolução da nossa busca teleológica pela coniunctio oppositorum.

“Pois tal como o espírito quer subordinar a sexualidade assim como todos os demais instintos à sua forma, a sexualidade também reivindica um direito antigo sobre o espírito, que no passado estava nela contido – no ato da concepção, da gravidez, nascimento e infância -, e de cuja paixão, o espírito não pode prescindir em suas criações.” (Jung, 2013, p. 107)

Como diz claramente Jung, o espírito não pode prescindir da sexualidade em suas criações. Portanto, desconectá-la da nossa vida amorosa e criativa cria um vazio na alma que nunca será preenchido com o simples anestesiamento hedonista da vida humana. Será essa a tão discutida diferença entre amor e sexo?

Jose Luiz Balestrini Junior, ser humano, psicólogo, especialista em psicologia junguiana pelo IJEP, analista junguiano em formação pelo IJEP e Sifu (mestre) de Kung Fu, e-mail: balestrini@lungfu.com.br. Atende e dá aulas na Zona Sul de São Paulo. Av. Ibijau, 236 – Moema – Fone: (11) 98207-7766

Referências

Jung, C.G. A energia psíquica. Vol. 8/1. Petrópolis, Vozes. (2013)

Harari, Y. N. Sapiens, uma breve história da humanidade. Porto Alegre, L&PM. (2017)

De Waal, F. B. M., Bonobo sex and society. Scientific American Special Editions 16, 3s, 14-21 (June 2006)