Homossexualidade e Homofobia: e a Psicologia Analítica com isso?

Por João Gabriel Suzart Coutinho

A primeira questão então é: como C. G. Jung entendia a homossexualidade? Hopcke (1993) destaca que, ao se observar o percurso de Jung é possível ver que ele não deixou observações categóricas ou finais sobre a homossexualidade. Assim, três momentos do pensamento junguiano podem ser traçados. No primeiro Jung pensava, ainda era fortemente ligado à psicanalise freudiana, que a homossexualidade é um fator inconsciente que resulta de desejos mal resolvidos ou não resolvidos de permanecer numa relação infantil com a fantasia que o indivíduo tem de sua mãe ou de seu pai.

No segundo momento, duas são as marcas do entendimento dele sobre a homossexualidade: a primeira, ao começar a desenvolver a noção de Anima e Animus Jung afirma que a homossexualidade se dá por uma identificação com esta imagem arquetípica interna. A outra marca dessa fase é a observação que Jung faz do componente homossexual presente na educação grega arcaica e como isso carrega um tom importante para as relações humanas de hoje.

Nesse terceiro momento Jung estuda profundamente a alquimia e a entende como uma manifestação no mundo de processos simbólicos e funcionamentos da psique dos alquimistas. Nesse sentido Jung desenvolve a teoria do “Homem Original”, pleno, íntegro: a própria imagem do Self. Aqui, alquimicamente, Jung irá afirmar que esse “Homem Original” é o arquétipo do Hermafrodita e que a homossexualidade seria uma negação em se desligar desse arquétipo e, por isso, conduzido para a inteireza do Self, o fenômeno da homossexualidade não seria reprovável; mesmo assim, ainda aqui é possível ver uma questão de “desligamento malsucedido” ou de imaturidade no desenvolvimento psíquico.

Foi desse incomodo junguiano que Walker (1994) propôs que assim entendêssemos o arquétipo do Duplo: “quero propor um conceito arquetípico, o ‘duplo’, para mencionar uma figura anímica dotada de todos os significados eróticos e espirituais vinculados à anima/animus, embora do mesmo sexo que o indivíduo, sem porém ser a sombra.”, ou seja, vemos aqui um companheiro arquetípico, ou companheira arquetípica no caso das mulheres, que se diferencia dos outros arquétipos ligados à identidade. Note-se que ele fala que todos os significados eróticos que o par anima/animus goza, o Duplo também os tem.

Eros, pela sua presença nas diversas histórias e na mitologia dos gregos, que até hoje chega até nós, pode ser pensado como arquetípico. Uma força arquetípica que nos direciona para a vida; talvez a própria energia psíquica que movimenta as estruturas de nossa psique possa ser vista como Eros. Ele está presente em todas as relações: nas relações que temos com os outros, com o mundo e conosco. Eros é tido por Jung como qualidade conectiva da psique e como função psíquica de relação; sem ele nada faria sentido, sem ele não seriamos conectados a nada nem ninguém.

Entretanto, dentro de nós Eros pode ter como companhia Phobos, o deus do medo. Pode gerar insegurança, falta de amor-próprio, uma autoimagem distorcida. Desde crianças os homossexuais começam a notar que seu amor é diferente. Que sua atração e sua necessidade de conexão são diferentes. Eles não tiveram grandes figuras para criar seus modelos; eles foram ensinados que o seu amor, o seu Eros, é errado, nojento, desviado, pecaminoso, proibido, digno de piada e chacota. Então essas pessoas começaram a se odiar e a odiar esse amor que dentro delas só crescia. Esse ódio gerado também pelo medo é o que Barcellos (2010) vai chamar de ferida homofóbica no amor-próprio, uma ferida narcísica que só faz crescer com o desenvolvimento da personalidade e o passar da idade. Agora o que significa odiar aquilo que é, como dissemos, a energia vital e primordial que move o mundo e os humanos, que faz funcionar a psique, que nos conecta e nos permiti relacionar-nos, que é para Jung uma tendência natural da psique? Odiar Eros em si desde que se tem consciência do eu é algo catastrófico e crônico que atinge todas as áreas da vida dessas pessoas. Assim, facilmente Eros é lançado na sombra, sendo vivenciado com negação e asco.

Jung falava que numa relação heterossexual o que se buscava finalmente era a união dos opostos, masculino com feminino, que em última instância, é uma meta da psique que acaba projetada e vivida nas relações no mundo. Contudo, podemos pensar que essa relação não precisa ser afetivo-sexual; é possível que a união dos opostos se dê com um filho e sua mãe, com um rapaz e sua grande amiga ou com uma figura de mestra e mentora em seu caminho. Dessa forma podemos nos libertar do concreto da experiência e entrar no metafórico, no simbólico da questão, sem prejuízo para a necessidade da psique de unir os opostos.

Barcellos (2010) afirma que numa união de semelhantes o que os parceiros buscam é diferenciação, ou seja, descobrir quem cada um de nós é em contraste com este semelhante que eu amo. Aqui é muito interessante um adendo: em quase dez anos de prática clínica atendi vários homossexuais com problemas de relacionamento, bem como heterossexuais. O interessante é que todos os clientes homossexuais, sem exceção tinham uma questão central que, às vezes mais cedo, às vezes mais tarde, surgia como a questão principal de sua demanda: quem sou eu? O que eu quero? Qual o sentido da minha vida? Em contrapartida os clientes heterossexuais chegavam sempre a questões centrais como: o que falta em mim que sempre busco no outro? Porque quero que o outro me complete? Sinto falta de alguém que me deixe inteira ou inteiro. Realmente o caminho de individuação de homossexuais e heterossexuais é distinto, e nenhum deles é doentio.

Entretanto, uma questão: por que então as pessoas homossexuais padecem de níveis de sofrimento que as pessoas heterossexuais não sentem? As pessoas homossexuais são privadas de uma mitologia, de imagens dignificantes e até de padrões exemplares coletivos. Assim, vivem a situação de precisar criar tais modelos de desenvolvimento, relacionamento, ética e virtuosidade, sempre de forma precária, afirma Barcellos (2010). É assim pois que, lacerados pela dor e pela confusão, muitos dos homossexuais se lançam em práticas ou vivencias de sua sexualidade de forma destrutiva.

Então, como podem ser acolhidos os homossexuais que chegam aos consultórios dos analistas junguianos, que por tanto tempo sofrem de uma negligência e silenciamento terríveis para com essas pessoas? Pelos caminhos de Eros. É preciso que primeiro essas pessoas tenham verdadeira consciência do que a homofobia fez com suas vidas e possam acessar essa ferida narcísica gigantesca em seu amor-próprio, em sua autoestima e em sua autoimagem; em seguida os analistas precisam ser terreno fértil que impulsione essas pessoas a encontrarem relações amorosas saudáveis, com Eros, com alma.

É precisamente como Stein (1978) afirma: que “o amor é antes de mais nada, um movimento em busca de união”; por isso é possível que “o amor seja o princípio de união e como tal é idêntico ao princípio criativo”; e então ele conclui: “se amor e desejo criativo são a mesma coisa, então a conexão humana é sem dúvida fundamental para a criatividade.” (STEIN, 1978). Enfocando a relação analítica Stein (1978) nos lembra que é preciso que o analista se revele também nessa relação amorosa que se torna a análise, pois “a análise deve ser capaz de redimir Eros e restabelecer a conexão e a confiança que nele [no analista] deve ter o analisando” (STEIN, 1978).

Libertemos Eros; quem sabe assim poderemos plenamente dizer: mais amor, menos ódio (menos medo).

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Gustavo. O amor entre parceiros do mesmo sexo e a grande tragédia da homofobia. Cadernos Junguianos, n. 6, p. 42-57, 2010.

HOPCKE, R. H. Jung, junguianos e a homossexualidade. São Paulo: Siciliano, 1993.

STEIN, R. Incesto e Amor humano – a traição da alma na psicoterapia. São Paulo: Símbolos, 1978.

João Gabriel Suzart Coutinho – Natural de Salvador, João Suzart Coutinho é Psicólogo formado pela Faculdade Ruy Barbosa, é Especialista em Psicologia Clínica (Conselho Federal de Psicologia), Pós-graduado em Psicoterapia Analítica (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública/Instituto Junguiano da Bahia) e Mestrando em Saúde Coletiva (ISC/UFBA); trabalhou por 9 anos com População em Situação de Rua e Vulnerabilidade Social.  Atua como psicoterapeuta há 12 anos, além de ser supervisor clínico e professor do ensino superior. Contato: jgsuzart@gmail.com