Dançando ao som da vida: entendendo o ritmo da eterna impermanência

Quando comecei a escrever este artigo, a questão central era totalmente diferente do momento em que nós nos encontramos agora. Num piscar de olhos, tudo mudou e o artigo pediu uma revisão antes de ser publicado. Porém, não acho que devo fazer associações com o momento presente, ao menos não neste artigo, porque seria forçar um pouco seu significado dentro da proposta que coloco aqui. Mesmo que o tema se aplique para a atualidade, desejo profundamente que você o leia pensando na vida, em sua máxima potencialidade, e não apenas no momento que estamos vivendo. Nossos humores e sentimentos estão tão conturbados por conta da incerteza do amanhã que amenizar isso não seria o correto no meu entendimento.

Quando pensamos em desejos para o ano, planos, mudanças, muitas vezes olhamos para o que temos com um ar de cansaço desejando que as coisas melhorem. Desejo este muito legítimo, claro. Mas repare como normalmente melhorar significa buscar mais calma, mais organização, mais controle, estabilidade, etc., desejar que tudo se ajeite. Na prática, não é errado buscar por isto desde que isto não signifique estagnação ou paralisação. A busca incessante pelo controle e previsão faz com que os casos de ansiedade venham aumentando a cada ano que passa – estamos vivendo cada vez mais desconectados do momento presente querendo dar conta de tudo que possa vir. Para responder a demanda da nossa geração, estamos tentando controlar a vida como se fosse possível capturá-la e moldá-la ao que a gente gostaria que ela fosse. São tantos acontecimentos e sentimentos diários que o ato de esperar algo acontecer é motivo de grande sofrimento. “Você tem que se preparar”, dizem alguns especialistas. Mas se preparar para o que? Para o que vai vir que eu nem sei o que é? Assim, seguimos atrás da receitinha mágica do controle e estabilidade da nossa vida. Projeto de super-herói, não?

Mas infelizmente a vida não funciona desta forma. É certo que por não aprendermos a escutá-la, ela parece ser mais complexa do que ela realmente é.
“Cada um de nós espontaneamente evita encarar seus problemas, enquanto possível; não se deve mencioná-los, ou melhor ainda, nega-se sua existência. Queremos que nossa vida seja simples, segura e tranquila, e por isto os problemas são tabus. Queremos certezas e não dúvidas; queremos resultados e não experimentos, sem, entretanto, nos darmos conta de que as certezas só podem surgir através da dúvida, e os resultados através do experimento”. (JUNG, 2011, §751)

Nosso mundo é composto por dualidades, assim como a nossa psique também funciona através das polaridades. Estamos constantemente flutuando entre os lados, pegando um pouquinho do que cada um tem para nos oferecer. No movimento constante de pêndulo, o princípio da enantiodromia vai se desenhando. Necessariamente vamos percorrer por todos os lados da situação e, assim, nos lançar para a possibilidade de nos descobrir maiores, mais profundos e mais completos do que imaginávamos. Mas esta é apenas uma das possibilidades de entendimento para o desenrolar da vida. Podemos olhar para cada acontecimento isoladamente e julgar como ‘bom’ ou ‘ruim’ de acordo com o repertório individual e por conta disto, muitas vezes, a vida parecerá injusta, negativa, assustadoramente mutante. O sofrimento que aparece como consequência desta dinâmica é sempre o resultado da incompreensão da realidade fundamental: a vida é um eterno recomeço.

Grandes sábios e estudiosos relatam que a vida é uma constante evolução e que estamos sempre em movimento. Gosto muito da ‘Lenda do anel do Rei’, do mestre Sufi Nasrudin que compartilha a valiosíssima mensagem que o salva no conto: “isto também passará”. Chico Xavier também levava esta ideia como ensinamento da vida. Dizem que bem acima da sua cama tinha uma placa com os dizeres “isso também passa” – trecho de uma mensagem psicografada pelo médium. Quando questionado sobre isto, Chico disse que a mensagem no seu quarto servia para que, diante dos dias ruins, ele pudesse lembrar que aquilo ia passar e que deveria ter algum motivo para ele estar passando por aquilo. Mas a placa também servia para lembrá-lo, nos momentos de muita felicidade, que ele não deveria deixar tudo de lado e ser levado pela euforia já que aquilo também iria passar. Interessante pensar que na visão oriental, demonstrando a mesma ideia da impermanência da vida, a Roda de Samsara representa o fluxo contínuo de nascimento, morte e renascimentos até que a pessoa se ilumine.

Entre tantos outros exemplos que podemos dar, ao mergulhar no simbolismo do Tarot, encontramos no Arcano X, conhecido como Roda da Fortuna ou Roda do Destino. Esta carta fala sobre a transitoriedade da vida, sobre as mudanças bruscas ou leves que a vida nos impõe, nos ensina sobre os ciclos da vida. Rica de significado, a carta já começa surpreendendo desde o seu nome. Ao buscar no dicionário o significado da palavra destino, vamos encontrar respostas como: ‘o que há de vir, futuro, sucessão inevitável de acontecimentos’. Agora, já buscou pela palavra fortuna? Vamos encontrar respostas que levam à: ‘destino, acaso, riqueza, grande quantidade de dinheiro, eventualidade’. Ou seja, fortuna = destino, por isto podemos encontrar essas duas possibilidades nos baralhos.

Voltando ao ‘coração’ deste artigo: a vida é uma sucessão de movimentos. Desde a escola estudamos que, na teoria da evolução, sobrevive quem mais se adapta às mudanças da vida: seja no ambiente, seja nas características biológicas. Logo, viver resistindo as mudanças, adoece. De tempos em tempos, a vida nos dá a oportunidade de fazermos a roda girar. É o momento onde declínios e ascensões acontecem. A Roda incentiva a vivenciar e olhar o lado oposto, provoca limpezas e cria espaços para que o novo apareça. Nos faz relembrar que, querendo ou não, devemos nos entregar à vida e aceitar que tudo é transitório e que faz parte dela deixar as situações e pessoas irem, que devemos nos abrir para receber o novo, mudar, ajustar as coisas. É claro que reviravoltas tiram a nossa estabilidade, mexem com as nossas certezas (tornando assim um campo fértil para a ansiedade) mas saber lidar com esses momentos é a grande chave da sabedoria.

O simbolismo da carta Roda da Fortuna também é encontrada na mitologia. Comumente associada com as Moiras, temos o movimento constante no tear delas, que fiavam, teciam e cortavam o fio da vida. Também encontramos, apesar de ser menos comum, a associação ao mito de Sisifo, comparando sua tortura à condição humana – o homem trabalha constantemente para sua ascensão e tem que lidar com o inevitável declínio – eu particularmente não gosto desta associação para a Roda pois seu movimento é sempre visando uma evolução, alguma transformação que é possível passar, encerrar, sem ficar presos à ela (ou à alguma condição). Pegando a ideia do fio do destino, devemos sempre lembrar que tudo está conectado – nossa vida com a vida do outro, nossa vida com o tempo das circunstâncias. Cada um deve fazer a sua parte e contar que o desenrolar da nossa história também depende dos eventos externos – pessoas, ambientes e situações. O externo influencia a nossa vida tanto quanto os conteúdos internos.

“Mas a contemplação dos ciclos exteriores é uma introdução à dos ciclos interiores. (…) Essa verdade simples, redescoberta por biólogos, não era desconhecida dos mestres antigos, esses observadores da evidência. Eles sabiam que não somos os mesmos no inverno e no verão, de manhã e à noite. A consciência se levanta com o Sol e declina com ele. O inconsciente sobe com a noite, e suas estrelas empalidecem com o aparecimento do astro-rei” (PERROT, 1998, p.338)

Assim como a jornada do tarot nos ensina, é preciso aprender a confiar na vida. Ao longo da vida, muitas vezes nós vamos tropeçar, outras cair, mas sempre a vida vai oferecer novas oportunidades e caminhos. Como Jung traz em sua obra “(…) não há mudança que seja incondicional por um longo período de tempo. A vida tem que ser conquistada sempre e de novo”. (JUNG, 2011, §142)

Aprender a conviver com os ciclos da vida faz com que a gente sinta mais prazer em viver. Conforme aprendemos a lidar de forma consciente com a impermanência das situações, passamos a reconhecer alguns de seus obstáculos e aprendemos como superá-los. Vamos confiando no fluxo e entendendo que toda mudança é contornável e que, assim, aos poucos concluímos etapas e afinamos o nosso querer. A vida vai ganhando sentido. Compreendemos que momentos de puro susto e arrebatamento são poucos perto das infinitas escolhas e mudanças que o nosso próprio dia a dia pede para a gente fazer. Somos nós em comunhão com a vida lapidando a nossa história, escolhendo o que fica, o que vai, o que precisa mudar, o que precisa melhorar. São nas pequenas e diárias transformações que a nossa história vai ganhando cor.

“A contemplação desses ritmos é um ato religioso: ela nos religa às leis que governam a existência do homem. Boa parte de nossas desgraças não provém do fato de que nos esquecemos dos ‘segredos naturais’, das leis das transformações, e as substituímos pelas decisões do nosso eu, fundadas na ciência limitada e fragmentária, que é a parte que toca ao ego.” (PERROT, 1998, p.338)

Se prestarmos bem atenção, veremos que essas mudanças não são tão inesperadas quanto muitas vezes as sentimos. Normalmente elas já vinham se desenhando, dando sinais que algo precisava ser transformado, ou usando os termos do Arcano, a roda precisa girar. Sobre as grandes mudanças serem atribuídas exclusivamente aos eventos exteriores, Jung, no livro A Natureza da Psique, afirma que “estou convencido de que as circunstâncias exteriores frequentemente são por assim dizer meras ocasiões para que se manifeste uma nova atitude perante a vida e o mundo, preparada inconscientemente desde longa data” (JUNG, 2011, §594). Tudo o que acontece no mundo exterior está acontecendo no mundo interior simultaneamente, a questão é saber o quanto se está consciente diante dos fatos. O complexo do eu é apenas um dentre os vários complexos e quando eles aparecem associados “ao complexo do eu, deste modo se tornam conscientes, mas podem existir também por um longo período de tempo sem se associarem ao eu”. (JUNG, 2011, §582)

Seguindo o raciocínio de que alguns conteúdos seguem sendo construídos de forma inconsciente, até surpreendentemente’ invadir a consciência, Jung exemplifica com a conversão de Paulo:
“Embora pareça que o momento da conversão tenha sido absolutamente repentino, contudo, sabemos por longa e variada experiência que uma transformação tão fundamental exige um longo período de incubação. E só quando esta preparação está completa, isto é, quando o indivíduo está maduro para a conversão, é que a nova percepção irrompe com violenta emoção”. (JUNG, 2011, §582)

Importante frisar que as mudanças da vida são sempre neutras, o que muda é apenas a visão e o julgamento pessoal como bom ou ruim. Gosto muito da explicação que a psicóloga e estudiosa de Tarot Corinne Morel fala sobre o arcano:
“A definição de um sistema de valores subjetivos faz com que o indivíduo e a sociedade em seu conjunto associem noções de felicidade ou infelicidade aos ritmos: desenvolver-se ou crescer é positivo, declinar ou envelhecer é negativo; ganhar ou enriquecer é positivo, perder ou empobrecer é negativo, e assim por diante. Entretanto, na realidade, nada é bom ou ruim, mas tudo é útil. “ (MOREL, 2018, p. 106)

Deste modo, não deveríamos ter tanto medo diante das mudanças da vida. Há sempre uma inteligência maior tecendo e ligando os acontecimentos para a nossa evolução. O destino não vem ao nosso encontro, ao contrário, nós que nos dirigimos a ele. Toda vez que fazemos a nossa parte, aceitamos as mudanças, nos colocamos à disposição do que vida quer, estamos abertos para receber dela sempre o melhor. O Self sempre tentará se manifestar através do inconsciente, mas para isso, precisamos colocar o nosso ego para servi-lo. É um trabalho em conjunto, ego trabalhando para dar voz ao Self e assim desfrutar da verdade da sua alma. No universo não existe involução. Todo e qualquer movimento da vida, no final, nos ajudam a evoluir. Sempre.

O destino vai se desenhando como resposta as escolhas feitas diariamente. Por isso, ter consciência sobre o que se vive e escolhe, evita a surpresa de ter que lidar com seus conteúdos como surpresas.

Então, não resista ao destino. Confie no seu Self. Faça a roda girar. Pois, independente como ela gira, sempre trará crescimento numa nova fase da vida!

Marcella Helena Ferreira | Analista Junguiana em formação pelo IJEP – marcellahlferreira@gmail.com

Referências Bibliográficas:

JUNG, C.G. A natureza da Psique: a dinâmica do inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2011.
MOREL, Corinne. Tarô Psicológico para Iniciantes. São Paulo: Pensamento, 2018.
PERROT, Etienne. O Caminho da Transformação: Segundo C.G. Jung e a Alquimia. São Paulo: Paulus, 1998.