Rapunzel

Por Carlos São Paulo

Ela temia a sorte da mãe a sua própria havia esquecido. O pai não existia em sua vida. Sentia-se como se estivesse numa torre alta que lhe distanciava da realidade. Só via paredes em volta. Não notara que já fez trinta anos e, como se ainda fosse criança, sua vida afetiva era preenchida por uma mãe que pesava em sua cabeça como se esta carregasse a velha senhora.

A lacuna afetiva deixada pela ausência do pai, ela não notava. Apresentava, no dia a dia, sintomas de ansiedade, instabilidade de humor e irritação. Conheceu o sexo ainda na infância, quando o namorado da mãe abusou dela. Na época contou à genitora, mas esta ela não se importou.

Um dia conseguiu chegar até um homem e este lhe provocou uma profusão de fantasias sexuais. Porém, todos esses pensamentos lhe deixavam culpada e viajava por meio da introversão para ficar mergulhada no mundo das imaginações. Nesse dia sonhou.

Em seu sonho, suas mãos pegavam fogo enquanto, envergonhada, mostrava seus seios em lugar público. Esse sonho a incomodou ao ponto de mobilizar sua coragem para revelar o interesse pelo rapaz. Ele que tantas vezes tentou se aproximar dela, agora pareceu lhe rejeitar. Convencida da sua pouca importância, Rapunzel resolveu enfrentar um tratamento psicoterapêutico.

O tratamento levou Rapunzel conhecer sua forma de imaginar o mundo e perceber o quanto ela não confiava nos homens. Ela acreditava que neles existia um lado animal que não conseguiam controlar. Passou a enfrentar esse medo e começou a sair com diversos namorados, pois entendia que ao menos seu corpo podia fazer com que eles se interessassem por ela.

Ao viver a promiscuidade com os homens, dizia que agora conhecia o lado selvagem e não confiável deles. Rapunzel sentia que se desmoralizava e passou a sentir culpa, ao tempo que rejeitava a si própria. Confessou ao seu analista que agora ela era uma prostituta.

Levava seus sonhos e as imaginações para a sessão de psicoterapia. Passou a entender compreendeu que ela entrava em contato com a natureza animalesca dos homens e que de uma forma defensiva, colocando-se numa postura de superioridade e fazendo com que eles se afastassem. Dessa forma, confirmava a sua ideia de rejeição.

Por algum tempo, Rapunzel começou a fazer seus vínculos com homens que a deixava com dependência afetiva e financeira. Quando terminava um relacionamento seus projetos fracassavam. O analista insistia em mostrá-la os aspectos inconscientes. Com isso fez ela compreender seu comportamento. Rapunzel finalmente descobriu o que era saudável em si mesmo, deixou de viver a dependência financeira e libertou-se da busca de um ideal romântico.

Arranjou um namorado e passou a conviver de forma amadurecida, sentindo-se realizada no plano amoroso e profissional. Agora ela entendia todo o processo pelo qual passou. Entendeu que a ausência paterna impedia um alicerce que permitisse o desenvolvimento dos conteúdos arquetípicos do animus da mulher.

Jung define o animus como uma espécie de sentimento de todas as experiências ancestrais da mulher em relação ao homem.

Com a transferência arquetípica do animus, passou a ter um contato restaurador com a figura masculina. Passou a amar o que em si não gostava, entendendo que fazia parte da história que teria de viver. Superou a ausência do pai e os fracassos amorosos.

Falamos de transferência quando ocorre na relação entre a paciente e o terapeuta uma atualização para com suas figuras parentais, mas Rapunzel vivenciou a natureza masculina arquetípica que lhe faltava. Por ser a dimensão arquetípica do masculino e não uma regressão infantil, conseguiu a união das polaridades masculinas e femininas em sua psique. Aprendeu a curar suas feridas e a conviver com suas cicatrizes.

Foi assim que Rapunzel saiu de sua torre, sofrendo, procurando um homem que pudesse viver uma vida amorosa. Como nunca tinha visto alguém diferente do padrão que existia em sua mente, chorou e limpou os olhos para só então encontrar aquele que fez sua vida ganhar sentido.

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Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@ijba.com.br