A quem interessa?

Por Cristina Sobral

Era uma mulher calada, disseram, desde menina. A conheci numa enfermaria onde se internara uma amiga, chamando-me a atenção os seus grandes olhos, sempre a fitar uma cena distante.

Em uma visita, estanquei diante de gritos inflamados, que dilaceravam a tarde. Vinham dela, da mulher ensimesmada, na explosão de um sofrimento que eu nunca vira, arrebentando em palavras agudas, incendiadas: “A quem interessa que uma menina tenha tido a sua roupa rasgada, sido violentada, estuprada e se arrastado quilômetros para chegar em casa cheia de dor e  vergonha? A quem Interessa?”

A enfermaria silenciou, mas seu desespero rugia: “A quem interessa?”. Aproximei-me do seu leito e falei: eu me interesso. A mulher dos grandes olhos estancou o seu grito e me olhou. Segurei a sua mão e repeti: eu me interesso. Uma expressão de paz suavizou o seu rosto.

Cerrou os olhos. A sua pergunta continuou escorrendo pelos meus.

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Cristina Sobral – Poeta e autodidata em pintura. É graduada e pós-graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Processo Criativo e Facilitação de Grupos e em Mitologia Comparada na Psicologia Analítica – Instituto Junguiano da Bahia. Atualmente faz o Curso de Formação em Esquizoanálise, pela Escola Nômade de Filosofia. Integra as antologias Mulheres poetas & baianas,  Delirium Liricus e Cura Poética, tendo publicado os livros De Estrelas Pálidas e de Quasares, Decifrando Esfinges, Prumo e A flecha e o vento.