A Crise Contemporânea como Mudança de Paradigma

Estamos no final do primeiro quinto do século 21, cientes que habitamos um planeta minúsculo que gravita em torno de uma estrela anã e finita, das 100 bilhões de estrelas que formam a nossa galáxia, ocupando este universo com mais 200 milhões de galáxias. Essas informações nos deixam divididos entre sermos resultante de uma obra divina com propósito finalista ou mero fruto de um acaso evolutivo, mesmo acreditando que das mais de 30 milhões de espécies vivas em nosso planeta, apesar de apenas oito milhões catalogadas, somos a mais complexa e aprimorada, “partilhando” e consumindo esse espaço com mais oito bilhões de habitantes humanos. Estes informações geraram desconforto e angustia, porque nos remetem tanto para nossa finitude, quanto para nossa condição ínfima, mas também para o mistério da vida nesta atual sociedade materialista causal, que valoriza o acúmulo quantitativo para dar a sensação de poder e lucro cada vez mais rápido. E, obviamente, para manter a roda capitalista girando em torno do consumo da dívida e do trabalho, essa angústia não é bem vinda e tentamos negá-la de todas as formas!

Por isso somos condicionados a buscar mais informação para mantermos a ilusão de controlar o incontrolável, criando muito barulho interno e externo! Muita agitação, pouca intimidade e mais fogos de artifício, com exposição sem sentido e efêmera, produzindo mais turbulência mental, pressa, ansiedade, efemeridades e incapacidade de vínculos, valorizando apenas o aparecer fugaz para se imaginar ser. Neste contexto temos vários autores denominando nossa época como a do amor líquido (BAUMAN), da extimidade (TISSERON), da sociedade do espetáculo (DEBORD). Há pouco tempo utilizei o termo era do plástico, onde tudo e todos ficam impermeáveis e inertes, impossibilitados de realizar trocas e, consequentemente, cumprir com o sentido e o propósito da vida que, em minha opinião, deveria ser o de servir, amando amar.

Nosso ensino é voltado para o externo, deformando os alunos, interditando e até punindo a criatividade genuína (muitas vezes com prescrição de remédios psicoativos como a Ritalina), porque quem destoa da normose patológica incomoda e atrapalha o aparelho alienante. Recrimina a capacidade de duvidar, impede a ousadia e a produção artística, roubando a alegria e a diversão do aprender e transformar, evitando que a espontaneidade da nossa essência se manifeste. Somos treinados a usar nossa memória como depósito de informações e, para não perdê-las, não podemos refletir, perceber fora do quadrado, sentir, pensar ou intuir. Precisamos acumular diplomas para falar de assuntos lógicos, mas não sabemos nada de nós mesmos.

Essa escola forma essa legião de Puer Aeternus, seres egoístas que não toleram a frustração e vivem apenas para a sedução em busca do prazer imediato.  No transcorrer da vida, muitos deles viram Trickster, vitimando e vitimados, por transgredirem o sistema legal. O pior é que o final estéril e enantiodrômico dessa massa de Puer/Trickster é a depressão e, na maioria das vezes, quando a loucura não se apresenta, acabam transformando-se em Senix, velhos decrépitos, ranzinzas e egoístas, totalmente apegados ao território e a manutenção do acúmulo. Intolerantes e radicais.

Viver o mistério, o encanto, o lúdico do cotidiano transformando o ordinário em uma aventura extraordinária, com humor e alegria é a verdadeira arte, que só aqueles que estão a serviço da alma conseguem realizar. Os outros, infelizmente a maioria comum, perderam o romantismo do viver, ficam aprisionados na miserabilidade egoísta do ego, assumindo a condição de coitados desgraçados, brigando pelas certezas, pela normalidade e, obviamente, pela preservação do território, que é finito e ilusório. O unilateral, o literal, o controle e a segurança são ilusões do ego que produzem as verdadeiras patologias! Apesar disso não podemos abrir mão das utopias, sonhando com a realização dos nossos ideais de individuação e, consequentemente, com um mundo menos desigual.

Aprender a sabedoria da alma, com o propósito de atingir nossa meta de união com o absoluto, é quase um crime. Porque neste estado teremos impulsos de amar e servir e isso é ruim para o sistema alienante de consumo, acúmulo, dívidas e trabalho sem sentido e significado. Aprendemos a conter as emoções e, com isso, a ficarmos cada vez mais neuróticos, consumindo toda sorte de substâncias psicoativas com intuito de aliviar a angústia e esperar a morte chegar. Para romper esse ciclo é necessária uma crise que produza a metanóia. A mudança de paradigmas, possibilitando o desapego e o cuidado, com resgate da intimidade e do amor, como instrumentos arquétipos em desuso na atualidade.

Neste sentido que as crises são à base de toda a evolução humana. Não existe a possibilidade de crescimento e de criatividade sem que uma situação de crise seja manifestada. Desta forma, a crise gera sentimentos de violência e de violação, mas também, a possibilidade de tomada de consciência e de evolução criativa. A crise, de maneira violenta, tira o indivíduo de sua rotina profana, onde a vida é vivida sem significado e sem sentido, podendo levá-lo, pela necessidade de superá-la, a uma dimensão sagrada. Com isso, o sagrado que estava imanente torna-se transcendente. Assim, por mais que a humanidade tente negar, parece que estamos na emergência de várias crises, da política ao meio ambiente, da ética aos valores espirituais, para que suas superações possam produzir a superação e o advento de um novo paradigma.