Bebê Reborn: Vínculo emocional, simbolismo psicológico e realidade social

Por Carlos São Paulo

O fenômeno dos bebês reborn, que são bonecas extremamente realistas projetadas para parecerem recém-nascidos, foi além do simples colecionismo ou do hobby artístico. Esse fenômeno agora toca aspectos emocionais, terapêuticos e até legais, com situações em que casais se envolvem em disputas judiciais pela “guarda” dessas bonecas. Por trás dessa situação peculiar, existem mecanismos psicológicos profundos que podem ser compreendidos através da psicologia junguiana e da teoria do apego de John Bowlby.

Jung: A Criança Interior e o Self

Na psicologia analítica de Carl Gustav Jung, a imagem da criança vai além de ser apenas frágil e inocente. Ela é um arquétipo central, simbolizando renovação e potencial para transformação interna. O bebê reborn pode ser uma manifestação desse arquétipo. Para muitos adultos, ele simboliza esperança, pureza e a possibilidade de curar feridas emocionais, especialmente aquelas relacionadas à maternidade ou paternidade que não foram experimentadas.

Outro conceito junguiano importante é o da projeção da anima e do animus, que são os aspectos femininos e masculinos da psique que muitas vezes permanecem não integrados. Cuidar de uma boneca reborn pode ser uma maneira inconsciente de expressar e exercitar esses aspectos, criando um cenário simbólico onde emoções reprimidas podem se manifestar. Além disso, a conexão com a boneca pode estar ligada ao processo de individuação, que é o caminho para o autoconhecimento e a integração do Self. Através da interação com a boneca reborn, a pessoa pode vivenciar um papel que talvez nunca tenha desempenhado na vida real, preenchendo lacunas existenciais e promovendo um senso de identidade mais unificado.

Bowlby: Apego, Perda e Substituição

A teoria do apego, desenvolvida por John Bowlby, examina os laços emocionais com base na necessidade humana de segurança e conexão. Nesse cenário, o bebê reborn pode servir como um “objeto transicional” – um substituto emocional em situações de perda, solidão ou traumas. Adultos que enfrentaram lutos gestacionais, infertilidade ou abandono emocional podem atribuir à boneca o papel de uma figura de apego. Essa ligação é tão forte que, em certos casos, resulta em disputas legais pela “custódia” do reborn, como se fosse um filho de verdade. Isso evidencia o quanto a boneca se integra ao modelo interno de relacionamento e família.

Além disso, há um componente biológico em jogo. O cuidado ritualístico com a boneca – como trocar suas roupas, alimentá-la e dar banho – ativa comportamentos relacionados ao apego e pode até estimular a liberação de ocitocina, um hormônio associado ao bem-estar e à conexão emocional. Essa prática, mesmo que simbólica, pode servir como uma base segura para aqueles que carecem de vínculos afetivos estáveis.

Por outro lado, pessoas com um histórico de apego inseguro (seja evitativo, ambivalente ou desorganizado) tendem a repetir padrões disfuncionais em seus relacionamentos. A boneca reborn pode se tornar um cenário para essas repetições inconscientes. A relutância em se separar da boneca ou em compartilhá-la com um parceiro pode indicar feridas antigas não resolvidas.

Entre o Terapêutico e o Patológico

A junção entre os simbolismos junguianos e os mecanismos de apego de Bowlby mostra que o vínculo com o bebê reborn vai além do excêntrico ou estético. Pode representar uma tentativa genuína de reparar feridas emocionais, lidar com perdas ou preencher lacunas afetivas. Em certos casos, é uma ferramenta terapêutica eficaz, reconhecida por profissionais de saúde mental.

Contudo, o fenômeno levanta questões delicadas. Quando adultos tratam a boneca como um bebê real em locais públicos – levando-a a consultas médicas, festas de aniversário ou solicitando benefícios destinados a crianças reais – a reação social tende a ser negativa. Há críticas relacionadas à maturidade emocional dessas pessoas, e surgem debates sobre até onde essa prática é inofensiva.

A cobertura pela mídia intensifica a polarização: de um lado, pessoas que veem o reborn como arte, passatempo ou apoio emocional; de outro, críticos que questionam os limites entre fantasia e realidade, chegando a propor leis para restringir o uso da boneca em contextos públicos ou burocráticos.

Origem e Significado do “Renascimento”

O termo “reborn” é derivado do inglês e significa “renascido”. Sua origem remete à época da Segunda Guerra Mundial, quando mães nos Estados Unidos e no Reino Unido restauravam bonecas antigas para presentear seus filhos. Esse gesto simbolizava reconstrução e esperança após períodos difíceis. Com o passar do tempo, a prática se desenvolveu em um sofisticado nicho artesanal, onde artistas transformam bonecas comuns em réplicas realistas de recém-nascidos. Hoje, “bebê reborn” não possui apenas um significado técnico, mas também emocional, representando o desejo de recomeçar e dar nova vida a algo perdido ou que nunca existiu.

Conclusão

O apego aos bebês reborn vai além de ser apenas uma moda contemporânea. Ele reflete as emoções humanas, nossas necessidades mais profundas e a maneira como buscamos conforto, conexão e significado em um mundo que se torna cada vez mais isolado. Sob a perspectiva de Jung, o reborn representa um símbolo do inconsciente coletivo; para Bowlby, é um substituto emocional quando faltam vínculos reais.

Oscilando entre o terapêutico e o patológico, entre o simbólico e o concreto, o bebê reborn nos leva a questionar os limites da fantasia, o papel dos objetos simbólicos e a fragilidade das relações humanas. Em vez de julgar ou ridicularizar, talvez o mais sensato seja tentar compreender: por que tantas pessoas sentem a necessidade de cuidar de algo que nunca chorou?

Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@ijba.com.br

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