Por Carlos São Paulo
Ele tinha 13 anos – uma idade em que o mundo ainda não possui limites claros, mas já machuca com bordas invisíveis. Sua vida buscava por um propósito, como uma taça vazia deixada sob a chuva, aguardando ser preenchida pelo céu. Por outro lado, ela também tinha 13 anos. E como todos aqueles que nascem dentro de cercas invisíveis, vivia conforme lhe ensinaram – com gestos herdados, sorrisos copiados e certezas impostas.
O menino queria algo simples, quase primitivo: ser visto pelo pai com olhos de orgulho.
Ele frequentemente tropeçava nas expectativas. Era talentoso em áreas que seu pai não conseguia nomear. E o pai, ainda que o amasse, não conseguia transformar esse sentimento em ações. Era um amor intenso e tempestuoso, que não se manifestava através de gestos ternos, mas sim através de um desvio de olhar para negar a percepção do fracasso. Eram choques inevitáveis ou recuos hesitantes.
A menina, sem entender que era finita, recebeu cinco cortes e se tornou ausência. Sua vida se apagou como uma vela esquecida sob o vento. O garoto, depois do ato, adormeceu. Dormiu como se ao dormir pudesse negar. Como se o sono pudesse fazê-lo apagar a mão que sangra.
Os pais da menina já não tinham um futuro a esperar. Restava-lhes apenas o passado e seus costumes. Tentavam suavizar a morte com flores, como se a beleza pudesse iludir a dor da ausência.Choravam não só por ela, mas por tudo o que deixaria de ser: as risadas que jamais aconteceriam e os aniversários que se perderam no tempo que nunca chegará.
O garoto, agora apenas uma sombra do que foi, suportava o peso do que não conseguia compreender.
Ele achava que bastava negar. No entanto, havia algo mais poderoso que a negação: a marca. Ninguém o amava, porque o amor requer reconhecimento, e ele era enxergado apenas pelo avesso — como o que sobrou após o grito.
Os homens, criaturas paradoxais são, ao mesmo tempo, construtoras de pontes e prisões, criadoras de remédios que prolongam a vida e de armas que aniquilam, cuidadoras de jardins esperançosos em hospitais e plantadoras do medo com lançamentos de mísseis. Eles criam vacinas contra seres invisíveis, esquecendo os vírus que infectam a alma, crescendo silenciosamente nas sombras.
Tudo isso sob o céu indiferente, onde estrelas morrem em silêncio e ninguém ouve.
Carlos São Paulo – Médico e psicoterapeuta junguiano. É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Coordena os cursos de Pós-graduação em Psicoterapia Analítica, Psicossomática e Teoria Junguiana. carlos@ijba.com.br