Para uma menina, com amor

Querida criança que habita o meu coração, que está doente e que sofre. Do lugar em que me encontro agora já posso enxergar a tua dor, tão disfarçada que estava pelo que tinhas de alegre e forte. E posso percebê-la agora, porque já vejo, entendo e acolho a minha dor. Por isso, minha menina, é que estou aqui para ensinar-te a compreender o que te afliges como um bem precioso, um bem que sinaliza para a luz que a própria dor encoberta.

Tantos temas difíceis tivestes que lidar tão cedo, não é mesmo? Mas saibas, minha querida, te saístes muito bem. Quero dizer que honro a tua caminhada, todo o esforço que fizestes para decifrar a ti e ao mundo, mesmo tocada pela melodia persistente e dissonante das vozes que em torno de ti gravitavam.

Vem cá, minha criança, quero dar-te um abraço! Um abraço que una o teu coração ao meu de uma forma tão pura e intensa que nunca mais sentirás esta dor silenciosa que te acompanha, a prender os teus e os meus próprios passos. Para curá-la, hoje sei, teria bastado um olhar atento e amoroso sobre ti, este que te ofereço agora, impregnado pela luz do amor mais fundo que posso sentir, para que não mais te ressintas pela ausência de farol ou guia a conduzir-te. Mas, compreenda, criança, tinhas mesmo que ser o teu próprio guia.

Ah, não sofras mais! Lava a tua dor com as lágrimas que te ofereço agora, elas vêm do rio da gratidão que me atravessa largo, para que eu possa chorar por ti o teu próprio pranto represado, para que sejas livre, livre, minha menina.

Vem, comece logo a sonhar os sonhos mais improváveis, a fazer as travessuras mais loucas, a errar — sem temores! — novos erros, a cantar alto, bem alto, como tanto gostavas, em um dueto com o Deus que somente tu percebias. Vem, vem resgatar comigo a tua/minha alegria, a minha/tua leveza, a tua/minha coragem, expande o meu coração e o teu até a estrela mais remota, e cada instante da vida será o nosso canto de amor.

Agora podes dormir… No interior de mim sempre estará tua casa, teu leito, teu jardim, e hoje que nada mais resta a oprimir-te o peito, peço licença para tomar das tuas mãos a minha/tua existência.

Dorme em paz, minha criança, o de mais puro que tinhas está ancorado em mim.

Texto de Cristina Sobral