Para o Ano que Está Nascendo

Um dos maiores problemas de nosso tempo é o esvaziamento do sentido e do significado das coisas. Estamos imersos no que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de modernidade líquida. As principais características da modernidade líquida são desapego, provisoriedade e acelerado processo da individualização; tempo de liberdade, ao mesmo tempo, de insegurança.

Assim sendo, o natal e o ano novo, periodos propícios para refletirmos sobre os temas da espiritualidade e mudança de ciclos, tornaram-se épocas de grande consumismo e fonte de estresse para aqueles que não conseguem se adequar aos padrões de consumo do capitalismo devorador.

Feliz ano novo! Mesmo encarado simbolicamente, como instrumento de mudança, o ano novo traz a ansiedade e a expectativa da mudança. Somos criaturas de hábitos. No nível mais superficial resistimos a mudanças em nossa vida cotidiana — até a mudanças que nós mesmos planejamos conscientemente. Quando, depois de anos de poupança e antecipação, finalmente nos mudamos para o novo lar dos nossos sonhos, tão longamente esperado, sentimo-nos, sem embargo disso, tristes por deixar a velha residência. Sentimos falta dos hábitos que chegaram, sentiram-se à vontade conosco e ficaram. A separação é uma tristeza tão doce porque nos afeiçoamos aos objetos. Não queremos perder nada “que nos pertence”.

O tema do sacrifício é frequente nos mitos de iniciação. Para evoluir, precisamos sacrificar algo em detrimento do novo. É a morte simbólica do que existia, em prol do que vai existir, para que haja o desenvolvimento, este entendido como sair do envolvimento. Será que na virada do ano conseguimos refletir sobre que aspectos da nossa vida precisam ser sacrificados para que possamos viver mais felizes no ano que virá, ou estaremos os mesmos?

Os sacrifícios, apesar de sofridos, nos facilitam a visão da alma. Através deles, entramos em contato com o nosso ofício sagrado, pois tendo experimentado o centro transpessoal da psique (o Si-mesmo), o ego reconhece sua posição subordinada e está preparado para servir à totalidade e aos seus fins, em lugar de fazer exigências pessoais (para Jung temos dois centros: o ego, centro da consciência e o Si-mesmo, centro do inconsciente e regente da totalidade). O ego individuado é aquele que resulta do encontro consciente com o Si-mesmo. Surge de um diálogo mais ou menos contínuo entre o ego e o inconsciente (servir ao Si-mesmo).

Será que podemos acolher a destruição que acompanha os sacrifícios com humildade, como parte integrante da nossa vida? Os sofrimentos que passamos no ano que está findando estavam a serviço de quê? Nesse ponto, a destruição pode se tornar uma aliada, quando reconhecemos a necessidade de mudar ou de renunciar a alguma coisa sem negar a dor ou o desgosto que sentimos. Podemos nos convidar a abrirmos mão de algumas coisas e darmos espaço para a natureza e a beleza florescer, a morte de velhas atitudes e o renascimento da vastidão e da liberdade para alçar novos vôos.

Cada um de nós é um herói; Isso é um dote; Temos um chamamento para a aventura; Recusamos; Segue-se uma crise; Não podemos voltar atrás – e atendemos ao chamado; Juntamos auxiliares, professores, guias; E cruzamos o limiar do desconhecido; Perdemos a nossa identidade e afundamos num abismo, no nadir na barriga da baleia; E emergimos; Começamos a viajar de volta para casa, para aquilo que conhecemos – cruzando de volta a fronteira; Nós voltamos; Transformados.

Comermos a maçã da árvore do conhecimento significa crescer, evoluir e sair do paraíso. A tentação da serpente representa a necessidade de autorrealização do homem e simboliza o princípio da expansão da consciência. Só assim poderemos comer o fruto imortal da árvore da vida. Como heróis, jamais podemos abrir mão dos nossos sonhos e ideais. Ao mesmo tempo, porém, precisamos estar dispostos a sacrificar alegremente nossas ilusões todos os dias para podermos crescer e aprender.

Atualmente estamos começando a ver o homem sob uma nova perspectiva, verticalmente, em sua relação com o absoluto, ou seja, com a transcendência. Não queremos provar só dos frutos da árvore do conhecimento, do bem e do mal, dos opostos. Queremos nos deliciar com os frutos da árvore da vida, dialogando com os opostos, buscando retornar ao jardim do Éden (que está dentro de cada um de nós), não com os olhos vendados e sim bem abertos, contemplando o infinito do eterno presente.