Morte e luto como possibilidades de ativação de complexos

Em seus estudos Jung coloca que, em situações diversas de conflitos, alguns complexos poderão ser ativados. Então me pergunto, perante a possibilidade de morte de um ente querido ou não, com o luto dessa perda, quais complexos estariam sendo  ativados?

Claro que a constelação dos mesmos é algo muito pessoal. O presente texto baseia-se em alguns atendimentos de pacientes do sexo masculino e feminino, com dificuldades relacionadas ao complexo materno.

As questões apresentadas perante a figura materna eram de sentimentos de rejeição, os quais faziam os pacientes sentirem-se desvalorizados e não amados.

Após algum período de psicoterapia, a mãe de um paciente faleceu e a de outro ficou gravemente enferma, vindo a óbito após 4, 5 meses. Enquanto as referidas mães estavam hospitalizadas, percebemos fatos semelhantes: em momentos de delírios, as mães apresentaram falas do tipo “o que você veio fazer aqui? Eu não quero falar com você. Você não acredita em mim…quando eu morrer vai acreditar. Você só me xinga o tempo todo! Meu filho veio aqui e me bateu…” e, em outros momentos: “amo você… me liberte daqui…deixe eu ir embora…me perdoe pelas coisas ruins que fiz para você…”

São diversas frases que, de um certo modo, ativaram nesses pacientes o complexo materno em seu aspecto negativo. Uma fala era comum entre ambos pacientes: “ao sair da visita, não sabia o que mais me entristecia, se era ver a fragilidade de minha mãe, a fase terminal dela ou viver na pele, novamente, esse sentimento de ser rejeitado, de não ser amado …”

Será que na pessoa que está “morrendo”, também são constelados complexos não elaborados durante seu viver? Me parece que sim. Nestas relações que comentei, percebi que algumas colocações destas mães poderiam estar sendo projeções delas.

Mães que sempre tiveram dificuldades em demonstrar ao filho (a) suas emoções, sempre falando bem de outros em detrimento dos mesmos, não valorizando as suas capacidades. Mães que sentiam que os filhos poderiam “roubar” seu dinheiro, suas propriedades.  Será que esses filhos teriam que “roubar” o afeto delas? Filhos que estavam sempre buscando o reconhecimento materno em sua mãe e nas demais pessoas, em figuras nas quais eles projetavam a figura materna.

Ao perceber a proximidade da morte física, a passagem para um outro plano, essas mães pareciam sentirem-se “roubadas” pela vida, e que seus filhos nada fizeram para isso não acontecer. Não assumiram seu próprio processo de desenvolvimento, responsabilizando os outros pelos acontecimentos negativos.

Na frase “me liberte” , podemos perceber dois aspectos: o da mãe pedindo autonomia para ir embora, e, o filho (a) dando-lhe essa liberdade de opção de escolha. Tivemos dois acontecimentos diversos, em um a mãe fez essa passagem, e, no outro caso, a mãe ficou “feliz”, agradeceu por isso e sobreviveu alegre em sua recuperação, por uns 4, 5 meses. Interessante a frase que uma destas mães disse ao seu filho: “autorize no hospital, que sejam desligados os fios que estão ligados ao meu coração, e que estão fortalecendo meu coração”. Quando o filho disse que autorizava, a mãe o agradeceu, se despediu dele como se fosse morrer e, no dia seguinte, começou a melhorar.

 Quais caminhos nossa psique pode apresentar perante a possibilidade de morte física? Quais os seus desejos? Será que as falas desses pacientes mostrariam a percepção da finitude corporal? Por quais motivos necessitariam ainda “tocar nas feridas” do outro? Seriam essas atitudes relacionadas com uma vida onde os conflitos não foram elaborados, nessa relação mãe-filho? Como uma via de mão dupla, as disfunções nesse relacionamento vieram a tona, com profunda intensidade, tanto nos filhos quanto nas mães.

O autoconhecimento é algo fundamental no processo de desenvolvimento da pessoa, e também para “ajudar no processo de luto, da morte, pois, em função do desconhecimento de si, é que as projeções psíquicas, não integradas, dificultam as relações e a elaboração das vivencias de perdas” (Souza, 2018, p.31)

E o luto dessa possível perda? Ao meu ver, esses filhos estariam tendo a possibilidade de viver e elaborar o luto, durante esse processo de adoecimento de suas mães. Seria como se fosse dado a ambos, uma entrada nos aspectos do complexo materno negativo e, quem sabe , conseguiriam elaborá-los. E foi o que percebi. Uma entrada profunda nessas feridas, um grande sofrimento, como se houvessem perdido o chão, as suas atividades lentificadas, sentindo-se exauridos, sem forças, como esses aspectos do complexo estivessem sugando suas energias. E, conforme foram sendo elaborados e integrados, a vida desses filhos, foi retomando seu curso de um modo diferente, processo de crescimento interior ativado, não sem dor e sofrimento, porém sem serem desvitalizados.

Pude também perceber nesses dois casos, a força relacionada à ativação de complexos, como vemos na psicologia analítica: quanto maior for a autonomia de um complexo, maior a força que ele tem em possuir o indivíduo! Mesmo estando consciente do que estavam fazendo, ou deixando de fazer, esses pacientes não conseguiam retomar seu rumo. Somente depois da entrada nessas emoções, nesses aspectos diferenciados do complexo, e da elaboração dos mesmos, é que conseguiram sair do domínio do complexo materno negativo.

Continuando com nossas reflexões, gostaria de citar Kübler -Ross quando diz:  “os lutos mais difíceis são aqueles nos quais temos mais pendências, isto é, questões mal resolvidas e vínculos afetivos complicados, tanto com pessoas ou objetos, como com situações (poder, status), antes de as perdas ocorrerem. (in Souza, 2018, p.30)

Esses fatos descritos, parecem terem corroborado para que esses pacientes não vivessem um luto patológico, facilitando a elaboração do mesmo, com dores , emoções diversas e integração das mesmas.

Vida, morte e luto podem muito nos ensinar desde que realmente entremos em suas vivências.

Referências:

JUNG, Carl Gustav. O desenvolvimento da personalidade. O.C. vol. XVII. Petrópolis: Vozes, 1981.

A dinâmica do inconsciente. O.C. vol. VIII. Petrópolis: Vozes, 1984.

Os arquétipos e o inconsciente coletivo. O.C. vol: IX/1. Petrópolis: Vozes, 2000.

SOUZA, Ana Célia Rodrigues. Morte e luto: a psiquiatria sem drogas e as enfermidades míticas no cinema. Curitiba: Appris, 2018.

Prof.ª Dra. M. Teresa Nappi Moreno, Membro didata IJEP.