Ciúmes na era digital: antiga emoção, expressões atuais.

Quem já não sentiu ciúmes em algum momento de sua vida? Quem já não sofreu com essa emoção que, em muitos momentos, faz com que fiquemos “preso” dentro de nossas idéias delirantes e possessivas?

Neste artigo abordaremos o ciúmes patológico ou também conhecido como ciúmes possessivo.  Sentir uma certa dose de ciúmes é considerado algo normal/natural e, geralmente, quem “recebe” esse ciúmes sente-se querido, amado e importante ao outro.

Para abordarmos o tema faz-se necessário iniciarmos com a definição de ciúmes o qual, segundo Ferreira (1986, p.414), é entendido como um sentimento doloroso de um amor inquieto, por um desejo de posse da pessoa amada,  suspeitando ou tendo certeza de sua infidelidade. Ao mesmo tempo em que a pessoa manifesta sentir ciúmes, ela também pode apresentar um sentimento de cuidado e zelo em relação a pessoa amada, a qual é objeto de seu ciúmes.

Zelo, segundo sua etimologia, vem do latim zelúmen e do grego zelous, dando origem à jealous (ciumento), jealousy (ciúme), jaloux e jalousie, geloso (italiano) e celoso (espanhol). (Ferreira, 1986, p. 19). Zelo também pode estar relacionado à ciúmes, no sentido de cuidar, tomar conta para não perder a pessoa amada, ou receio dela ser roubada por um outro.

 No alemão o ciúmes (Eifersucht) tem relação com fogo, com o queimar, com vício… uma doença que arde. A pessoa que é “devorada” pelo ciúmes, arderia numa profunda tensão, desespero e sentimentos de abandono.

Sentir ciúmes é algo vivido no imaginário e percebido e sentido como sendo realidade.  Este sentimento faz com que a pessoa, em muitas situações, se sinta desprezada, inferiorizada e excluída das relações afetivo-sociais. O indivíduo parece se sentir sempre em dúvida quanto a si mesmo e ao outro, o que pode culminar em fortes sentimentos de insegurança, baseada em suposições e incertezas que se instalam em sua mente: “sou ou não traído? É verdade o que o outro me diz? O que ele esconde através das palavras?”

O indivíduo muito ciumento é, geralmente, dominado por pensamentos obsessivos e sente-se constantemente ameaçado pela perda da pessoa amada, de estar sendo humilhado por acreditar estar sendo traído. Tais pensamentos afetam não só a vida diária deste individuo, quanto a das pessoas ao seu redor, pois este ser “amado” (a pessoa alvo) geralmente se sente invadido, desrespeitado e constantemente ameaçado.

Neste tipo de ciúmes considerado patológico o indivíduo não percebe seus delírios e nem sua perda de contato com a realidade apresentando “pensamentos mágicos”, tais como: se ela (ou ele) sair com roupa azul, é porque irá encontrar com o (a) amante!… Qualquer pensamento, situações concretas ou imaginadas podem ser desencadeantes de crises de ciúmes. Esse ciúmes passa a ser possessivo e destrutivo e, ai, podemos perceber a atuação de elementos pertencentes à Sombra e aos complexos.

Torna-se uma relação de poder sobre o outro, “você me pertence” e faz com que, quem sente o ciúmes, acredite que o outro não pode ter uma vida própria longe de si. Geralmente a pessoa que apresenta este tipo de ciúmes costuma ser insegura, imatura, ter baixa auto estima e ser extramente carente afetivamente, não acreditando que pode ser amado pelo que realmente é.

Descartes coloca que “o ciúmes é um tipo de medo relacionado ao desejo de se preservar a possessão” (apud Ferreira-Santos, 1998, p. 48).

Na nossa era digital, percebemos essas demonstrações de diversas maneiras, tais como: você não larga desse celular! Para quem será que está mandando mensagens? Não sai desse computador! Porque está demorando para responder whatsapp? Curtiu fotos de tantas pessoas e não as minhas! Veja, posta mil fotos, menos as nossas. Porque será? Não quer ser vista comigo? Ou tem um amante, por isso não assume nossa relação? Por qual motivo tem visitado sites de relacionamentos? Fica até altas horas na internet, fazendo o quê? Com quem está me traindo?…

Estes são questionamentos constantes ouvidos nas sessões de psicoterapia, e a pessoa se sente insegura, não amada, não valorizada,  como se não tivesse importância alguma na vida do outro. “Veja, escrevi algo carinhoso, e como resposta recebi só uma carinha sorrindo!?” “Será que você não tem um minuto para escrever para mim?”… E, nesta nossa sociedade imediatista, é comum ouvirmos: “Ela (ele) leu a mensagem há dez minutos e ainda não me respondeu! Será que está com um amante e por isso não me responde?”

Percebemos aqui, além do ciúmes, um sentimento de posse e de não saber lidar com a divisão de atenção, pois a pessoa deseja ser a primeira e única pessoa importante na vida do outro.

Falamos, até aqui, sobre relações amorosas, porém não podemos esquecer que o ciúmes também pode existir direcionadas a outros situações: amizades,  com relação a coisas materiais as quais, geralmente, indicam “posse” e dificuldade em dividir. Tais formas de ciúmes não serão abordados neste artigo, podendo abrir margem para outros artigos relacionados ao tema.

Retomando a era da internet, do virtual, gostaria de colocar um tema apresentado por Farah (2009) em sua dissertação de mestrado. Exemplificando sobre corpo e ciúmes na internet, ela nos traz um caso bem interessante. Uma adolescente, retornando de suas férias, estava ansiosa por contar à psicoterapeuta, seu primeiro beijo. E se tratava de um beijo virtual! Ela havia criado uma imagem virtual, um fake, usando nome de uma atriz famosa.  E começou a se relacionar com o fake de um menino, iniciando um namoro virtual, marcando encontros também em locais virtuais e, em um destes encontros virtuais aconteceu seu primeiro beijo (virtual)! Depois de algumas semanas descobriu que ele a “traia” com fakes de outras garotas! Como lidar com esse novo tipo de traição e ciúmes? Essa adolescente e o namorado, resolveram criar um novo fake para eles dois, numa relação monogâmica, e no antigo fake, agiam como amigos. Esta é uma nova realidade que se nos apresenta em nosso consultório.

Um outro exemplo (em minha prática clínica): a esposa de um ex-paciente sentia-se “traída” pelo marido pois  este dedicava grande tempo em conversas, chats, pela internet. Ela fantasiava que as outras mulheres eram mais interessantes que ela e sentia ciúmes dele e de seus papos na internet. Ele conversava com homens e mulheres, em um círculo de amigos. Ele a estava “traindo”? Ou não a via como uma companheira com a qual poderia dividir determinados assuntos? Começou haver um distanciamento e frieza entre eles, ciúmes incontrolável, brigas diversas, o que fez com que ambos procurassem psicoterapia.

São dois exemplos diferentes relacionados com nossa era digital, dentre tantos outros que estão surgindo. E, como estamos preparados para lidar e compreender essas novas expressões de traição e de ciúmes?

Novas reflexões e questionamentos surge na forma de como lidar com essas diversas e diferentes formas de expressão, de um sentimento tão antigo e arquetípico: o ciúmes!

Referências bibliográficas:

EKMAN, P. A linguagem das emoções. São Paulo: Lua de Papel, 2011.

FARAH, R. M. Ciberespaço e seus navegantes: novas vias de expressão de antigos conflitos humanos. Dissertação de Mestrado, PUCSP, 2009.

FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

FERREIRA-SANTOS, E. Ciúme: o medo da perda. São Paulo: Ática, 1998.

Dra. M. Teresa Nappi Moreno: Prof.ª e Supervisora IJEP, Dra em Psicologia Clinica – PUCSP – Núcleo de Psicossomática e Psicologia Hospitalar.