A cabala e Jung

Por Ermelinda Ganem

“Abra um pouco seu coração para mim, E eu revelarei o mundo para você.” O Zohar.

Já dizia uma antiga máxima cabalista, que nós não vamos até à Cabala, ela que vem ao nosso encontro; no momento em que o discípulo se encontra pronto, o mestre aparece.

A religião esotérica é um conjunto de experimentos pessoais conduzidos cientificamente no laboratório da sua própria consciência”. Os místicos (…) dão um significado esotérico ou “oculto” para os mitos e esses significados são descobertos através da experiência direta, interior e contemplativa, e não de algum sistema exterior de crença, símbolo ou mito (KEN WILBER).

Na sua autobiografia “Memórias, sonhos e reflexões“, Jung descreveu uma experiência mística que teve quando foi internado face à um ataque cardiaco: ”Quando a olhava [a enfermeira], acreditava ver um halo azul em torno de sua cabeça. Eu próprio me encontrava no Pardes Rimmonim, o jardim das romãs, e aí se celebrava o casamento de Tiphereth com Malchuth (sic). Ou então era como seu eu fosse o rabino Simeão ben Yochai, cujas bodas eram celebradas no além. Era o casamento místico tal como aparecia nas representações da tradição cabalística…Não poderia dizer o quanto tudo isso era maravilhoso. Eu não deixava de pensar: “É o jardim das romãs! É o casamento de Malchuth com Tiphereth!” Não sei exatamente que papel eu desempenhava na celebração. No fundo, tratava-se de mim mesmo: eu era o casamento, e minha beatitude era a de um casamento feliz…Todas essas visões eram magníficas. Eu estava mergulhado, noite após noite, na mais pura beatitude. É impossível ter uma idéia da beleza e da intensidade do sentimento durante as visões….No fundo, a partir dessa época, apesar de recuperar minha crença no mundo, jamais me libertei totalmente da impressão de que a “vida” é este fragmento da existência, que se desenrola num sistema universal de 03 dimensões com essa finalidade específica” (CARL GUSTAV JUNG).

Através dessa experiência podemos ver todo um conhecimento esotérico de Jung, mais precisamente da Cabala. Mas o que é a Cabala? A palavra hebraica Kabbalah significa tradição – tradição oral passada da boca para o ouvido, do sábio para o seu discípulo.

“Embora atualmente muitos neguem sua importância como mestre espiritual, para aqueles que estudavam em Zurique com Marie-Louise von Franz e Arnold Mindell não havia dúvidas: o modelo junguiano era um processo espiritual. Não confinávamos nosso trabalho com o inconsciente às nossas sessões analíticas; fazíamos dele a essência de nossas vidas…Jung apresentou um modelo espiritual para o mundo moderno que está intimamente relacionado a tradições antigas como a alquimia (JEFFREY RAFF, 2002).

Nas tradições antigas (alquimia e cabala) há um símbolo em comum: a árvore da vida ou árvore filosófica. Para Jung (OC XIII), a árvore da vida é o  símbolo alquímico da individuação. Corresponde a um sistema cabalístico hierárquico em forma de árvore, que é dividida em dez partes, ou dez frutos, círculos ou esferas chamadas de sefiroth (plural) ou sefirah (no singular) e vinte e dois canais de conexão que interligam os círculos nas direções horizontal, vertical e diagonal e são representados pelas letras do Alfabeto Hebraico.

Cada sephirot é a representação de um conjunto de qualidades divinas, que representam esferas arquetípicas. São, na verdade, dez aspectos do Si-mesmo, degraus para o transcendente. No todo, existem dez degraus na árvore, chamadas de  “sefirot”: Keter, Chochmá, Biná, Chessed, Guevurá, Tiferet, Netzach, Hod, Yessod e Malchut.

Microcosmicamente, subindo na Árvore, partindo de Malkuth, o homem amplia seu estado de consciência elevando-se cada vez mais, próximo de Kether. A subida entre as sephirots é feita através dos grandes arcanos do tarô.

Segundo Israel Regardie existem dois métodos básicos de consecução espiritual baseados no uso direto da Árvore da Vida: Um é a meditação e o outro é o Ritual. O objetivo de seguir esses dois processos, é atingir o Coração da Arvore, o centro cristico nele mesmo – Tipheret. O casamento de Malkuth (10o. Sephirot) com Thiperet (6o.) corresponde à celebração das núpcias alquímicas, do ego com o Si-mesmo 

Os místicos podem subir a árvore da vida de diversas maneiras. Escolhemos a subida da serpente, onde vamos subir a árvore da vida a partir de Malkuth, sinuosamente, como uma serpente ao redor do tronco. Para isso, precisamos primeiro nos ancorar na base dessa 10o Sephirot, o Reino, a Terra. O terreno tem de estar adubado, sólido.

Figura  – A subida da serpente na árvore da vida

(siga o caminho invertido das setas, de baixo para cima).

Vamos começar agora a subir na árvore da vida. Saímos de Malchut (TERRA- EGO) em direção a Yesod (LUA-INCONSCIENTE PESSOAL). O que está em cima é o que está embaixoa`a subida é uma descida.

Malchut, a terra, 10o. SEPHIROT, é o Ego. Ele contém a semente  que dará início ao processo de individuação e expansão da consciência. O ego fértil é uma porta da vida e da morte. Corresponde aos pés do homem divino em nós (Adão Kadmon). Devem estar firmemente plantados na mãe terra.

O 32o. caminho, que conduz de Malchut a Yesod,  é representado pela letra hebraica Tau, “SELO DA ALIANÇA”, que significa Cruz. “A cruz pode ser vista como o destino de Cristo, seu padrão de vida exclusivo a ser cumprido. Tomar a própria cruz significa assumir e realizar conscientemente o próprio padrão particular de totalidade” (EDINGER – Ego e arquétipo, p. 189).

Esse símbolo pode nos levar a dois sentidos: fardo, missão e ressurreição, da mesma forma que o deus Saturno (que rege esse caminho) pode nos ensinar os duros fatos na natureza, como também também a transcendência do espaço e do tempo por uma mudança auto-compensadora”(ALEISTER CROWLEY- Tarot, o livro de Thoth)..

Qual é a cruz que você carrega? É um fardo ou uma missão? A tua pedra é pesada ou leve? Sisifo ou a pedra filosofal? Oneroso tributo de esforço e dores ou um elevado e grandioso objetivo de maior transcendência?

Esse caminho é também representado pelo Arcano do tarot “ O mundo”, onde temos uma dançarina no centro da mandorla (representando o ovo cósmico, nascimento, útero) mistura a idéia de espontaneidade e estabilidade de uma forma harmônica. Não se vê a dançarina com os dois pés solidamente plantados no chão. Um dos pés toca a mandorla, o outro está no ar, pronto para entrar em contato com ela de modo novo a cada passo sucessivo.

À proporção que a dança se desdobra passo a passo, vemos que ela nunca perderá contato com a sua áurea pedra de toque, nem se prenderá a ela de modo rígido, inflexível.

Não oferece escapatória para “outro mundo”, mas nos apresenta o desafio de viver neste mundo de maneira significativa. Contente no interior da estrutura dos seus limites naturais, a dançarina do Tarô não sonha com nenhum tesouro a ser procurado no fim de algum arco-íris visionário. Para tomar emprestada a linguagem dos alquimistas, não lhe interessa traduzir os vis metais da sua existência de todos os dias na experiência dourada de valor duradouro. Ela sustenta a tensão dos opostos através da dança, num movimento rítmico, determinado  e disciplinado.

O arquétipo do Andrógino em nós – A dançarina do Tarô – ” A  diferenciação do masculino e do feminino dentro de cada um de nós permite que flua a energia dinâmica, a fagulha que salta entre os pólos + e – da nossa existência “.

Ser um vaso cheio de conflito divino é um privilégio e um fardo especificamente humanos. Na paisagem da primavera não há melhor nem pior. Os ramos floridos crescem naturalmente, alguns compridos, outros curtos.

Vamos continuar a subida? Convido vocês para fazerem o curso Tarot e Cabala, a darei online,  23 e 25/11/2021 (terça e quinta-feira). Mande um e-mail para mim: eganem65@gmail.com.

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Prof. Ermelinda Ganem Fernandes – Médica, analista junguiana, mestra e doutora em Engenharia e Gestão do Conhecimento da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)

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